Mesmo que você leitor não seja médico, acredito que esteja se pegando por aí discutindo sobre doenças nestes tempos de pandemia. Este hábito pode não ser muito comum para você e eu, sinceramente, espero que tudo passe logo e doenças voltem a ser um assunto pouco comum na sua vida!
Por outro lado, discutir doenças é obviamente uma parte importante do dia-a-dia do trabalho de um médico. Se você que me lê é médico, vai concordar que às vezes é muito difícil explicar para um paciente como a doença dele surgiu. Por vezes, nem a própria Medicina produziu conhecimento suficiente para que compreendamos completamente o processo de surgimento de algumas patologias (o Coronavírus está aí escancarando isso).
Ainda bem que a perda auditiva após uma infecção respiratória não está nesse grupo. É um processo simples de se compreender e às vezes o próprio paciente nos informa através de seu raciocínio um diagnóstico correto.
Grande parte das pessoas já percebeu uma perda auditiva, durante um período em que o nariz está obstruído por uma infecção respiratória. Pois bem, o raciocínio surge a partir daí mesmo. No nariz obstruído, também está bloqueado o canal de drenagem de muco dos ouvidos. O nome deste canal é tuba auditiva. Esta obstrução impede que o muco escorra dos ouvidos em direção ao nariz, ficando acumulado em nosso órgão da audição.

Outros dois processos acontecem nas infecções respiratórias. A secreção com bactérias e/ou vírus pode ascender para o ouvido (também através da tuba auditiva). Os fatores inflamatórios presentes no nariz também vão para dentro do ouvido através da tuba. Pronto! Forma-se um ambiente obstruído, repleto de muco, fatores inflamatórios, vírus e/ou bactérias. Propício para o início de um processo infeccioso que conhecemos como Otite Média Aguda.
A grande tranquilidade é que este tipo de otite quando tratada adequadamente, se resolve completamente em cerca de duas semanas. Assim, a infecção respiratória que gera uma Otite Média Aguda costuma causar um prejuízo auditivo leve e que se resolve sem deixar sequelas. Por isso, pessoas de todas as idades devem procurar atendimento médico para que esta patologia seja tratada.

As coisas se complicam para a audição em dois contextos. Primeiro, quando o paciente já possui outra fonte de perda auditiva. A sua perda pode se intensificar a ponto de prejudicar bastante sua qualidade de vida. Se você já tem deficiência auditiva, não demore para procurar atendimento durante aquele “resfriado” que piora sua audição!
Outro caso é quando as infecções respiratórias – e por consequência as otites – são crônicas ou recorrentes. Neste contexto, a perda auditiva em geral é mais grave e tem grandes chances de deixar sequelas. Quando o paciente tem mais de 4 Otites Médias Agudas em um ano, ele tem Otite Média Aguda Recorrente. Quando a secreção permanece no ouvido por mais de três meses, ela se chama Otite Média Crônica Serosa.
As crianças são os mais acometidos pelas otites crônicas e recorrentes. A tuba auditiva – ela de novo – dos pequenos funciona pior: é mais curta, mais flácida e mais horizontalizada. Além disso, as crianças ainda não produziram todos os seus anticorpos. Estudos estimam que 15% das crianças brasileiras têm otites agudas recorrentes. 90% das crianças menores de 6 anos terão em algum momento da vida, secreção retida em seus ouvidos por mais de 3 meses, causando perda auditiva. Estas otites são a maior causa de perda auditiva em crianças em países desenvolvidos! Todos estes pacientes precisam de tratamento medicamentoso, 42% deles precisarão de cirurgia para recuperar a audição.
Como o pico do prejuízo auditivo se dá entre 2 e 4 anos, as crianças não costumam nos informar muito bem o que estão sentindo. É de suma importância que a família preste atenção nos seus sinais: falta de concentração, mau-desempenho escolar, pedir para repetir as frases, falar muito alto, escutar a televisão muito alto, por exemplo. Alguns fatores são comprovadamente protetores como a vacinação em dia, suspensão do uso de chupetas após os 15 meses, aleitamento materno exclusivo até 6 meses de vida e não expor a criança ao cigarro.
Nos adultos, o padrão de prejuízo auditivo gerado pelas infecções respiratórias se comporta de outra maneira. Os adultos jovens devem procurar atendimento e tratamento eficaz para suas doenças nasais que estão gerando perda auditiva. Sejam elas crônicas ou recorrentes. Já os idosos, devem também buscar atendimento e terem o nariz minuciosamente examinado. Pois no caso deles, não é esperado infecções respiratórias com tanta frequência e aumenta a chance de se encontrar alguma patologia nasal maligna causando a perda auditiva. Todos os adultos precisam de tratamento e em relação às cirurgias, este número é maior, chegando a 60% o número de casos necessários para restaurar a audição.

Fontes:
Kurc M, Amatuzzi MG. Fisiologia da Audição. Tratado de otorrinolaringologia / organização Shirley Shizue Nagata Pignatari , Wilma Terezinha Anselmo-Lima.- 3. ed. – Rio de Janeiro : Elsevier, 2018.
Rosenfeld RM, Shin JJ, Schwartz SR, et al. Clinical Practice Guideline: Otitis Media with Effusion (Update). Otolaryngol Head Neck Surg. 2016;154(1 Suppl):S1-S41. doi:10.1177/0194599815623467