Monitoramento Auditivo infantil em crianças com indicadores de risco para a perda auditiva (IRDA)

Há mais de 10 anos o Brasil já apresenta ações no sentido de identificar e diagnosticar precocemente crianças com deficiência auditiva. A lei federal n. 12.303, de 02 de agosto de 2010, tornou obrigatória a etapa da Triagem Auditiva Neonatal (TAN) nas maternidades públicas de todo o país, possuindo protocolos distintos para os neonatos com ou sem indicadores de risco para deficiência auditiva (IRDA). 

Segundo as recomendações internacionais e nacionais, todas as crianças, com ou sem IRDA, devem ser acompanhadas e monitoradas quanto ao desenvolvimento da linguagem e da audição. Para neonatos com IRDA, principalmente aqueles que permaneceram em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), recomenda-se a triagem utilizando o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico Automático (PEATE-A), devido à maior ocorrência da Desordem do Espectro da Neuropatia Auditiva (DENA). Para crianças com IRDA, que falha na triagem auditiva, deve-se realizar o encaminhamento imediato para equipe de diagnóstico.

Então, se existe essa lei, será que conseguimos garantir que todas as crianças com deficiência auditiva serão identificadas nos primeiros meses de vida? 

Sabe-se que poucas maternidades públicas executam o programa de forma universal e garantem acesso às demais etapas nos diferentes níveis de atenção à saúde. É fundamental que a TAN esteja inserida na rede de cuidados às pessoas com deficiência e não como uma ação isolada. Além disso, é necessária a articulação com a atenção básica (AB) para assegurar a execução do monitoramento e acompanhamento do desenvolvimento da audição e da linguagem e os encaminhamentos para os serviços especializados.

No Brasil não há Programas de Triagem Auditiva Neonatal suficientes para atender todos os bebês nascidos, além disso, os programas existentes encontram-se centralizados em alguns estados. Dessa forma, em diversos estados do país há um número de crianças que não realiza a Triagem Auditiva Neonatal, consequentemente não realizam as etapas seguintes: o monitoramento e acompanhamento auditivo. Isso reflete no diagnóstico e intervenção tardio.  

A importância do monitoramento audiológico das crianças com IRDA se dá pela possibilidade do aparecimento de perdas auditivas de manifestação tardia ou progressiva na infância, ou seja, a criança pode ter realizado a Triagem Auditiva Neonatal, ter obtido resultado normal “passa”, e vir a adquirir/manifestar uma deficiência auditiva tardiamente. É importante lembrar de que o fato de ter audição normal logo ao nascimento, não descarta a chance dessa criança vir a adquirir uma deficiência auditiva. Dessa forma, o monitoramento audiológico é uma etapa imprescindível para a identificação precoce destas alterações.

Contudo, existem inúmeros desafios na implantação do programa de monitoramento e acompanhamento dessas crianças, se configurando como uma etapa desafiadora para o processo de identificação e diagnóstico precoce da deficiência auditiva e sofre influência de vários fatores. Uma das maiores dificuldades consiste em conseguir monitorar todos os recém nascidos que apresentam IRDA. Assim, muitos programas não atingem este indicador de qualidade proposto pelas recomendações, levando ao diagnóstico tardio da deficiência auditiva adquirida ou progressiva. 

Dentre outras dificuldades estão a evasão das famílias ao programa, desconhecimento sobre os prejuízos do diagnóstico tardio da deficiência auditiva e a falta de articulação com a atenção básica. Além disso, aspectos que implicam na adesão ao monitoramento audiológico são as condições socioeconômicas e sociodemográficas das famílias.

No Brasil a Estratégia de Saúde da Família (ESF) possui uma cobertura mais ampla do que os Serviços Especializados em Saúde Auditiva. Assim, a proposta do Ministério da Saúde é que a execução do acompanhamento e monitoramento do desenvolvimento da audição e da linguagem esteja vinculado à atenção básica.

Nessa perspectiva, a atenção básica deve acompanham o desenvolvimento da audição e da linguagem de todas as crianças, independentemente de apresentarem IRDA ou não e proceder o encaminhamento para avaliação audiológica sempre que for constatado desenvolvimento aquém do esperado ou em qualquer momento que os pais suspeitam se o filho ouve bem. Para as crianças de risco, além do acompanhamento é previsto que a atenção básica as encaminhe para monitoramento audiológico, com a realização de uma avaliação completa na atenção especializada entre sete e 12 meses de idade, mesmo que não tenha sido identificado atraso no desenvolvimento.

Então, quais IRDA devem ser monitorados?

São considerados neonatos ou lactentes com indicadores de risco para deficiência auditiva (IRDA) aqueles que apresentarem os seguintes fatores em suas histórias clínicas (JCIH, 2007; COMUSA, 2010):

  1. Preocupação dos pais com o desenvolvimento da criança, da audição, fala ou linguagem.
  2. Antecedente familiar de surdez permanente, com início desde a infância, sendo assim considerado como risco de hereditariedade. Os casos de consanguinidade (É o grau de parentesco entre indivíduos com ascendência comum) devem ser incluídos neste item. 
  3.  Permanência na UTIN por mais de cinco dias, ou a ocorrência de qualquer uma das seguintes condições, independente do tempo de permanência na UTIN: ventilação extracorpórea; ventilação assistida; exposição a drogas ototóxicas como antibióticos aminoglicosídeos e/ou diuréticos de alça; hiperbilirrubinemia; anóxia perinatal grave; Apgar Neonatal de 0 a 4 no primeiro minuto, ou 0 a 6 no quinto minuto; peso ao nascer inferior a 1.500 gramas. 
  4. Infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes, sífilis, HIV).
  5.   Anomalias craniofaciais envolvendo orelha e osso temporal.
  6.   Síndromes genéticas que usualmente expressam deficiência auditiva (como Waardenburg, Alport, Pendred, entre outras). 
  7. Distúrbios neurodegenerativos (ataxia de Friedreich, síndrome de Charcot-Marie-Tooth). 
  8. Infecções bacterianas ou virais pós-natais como citomegalovírus, herpes, sarampo, varicela e meningite.
  9. Traumatismo craniano. 
  10. Quimioterapia.

Em quanto tempo deve ocorrer o monitoramento?

ACOMPANHAMENTO EM 9 MESES

  1. Infecções uterinas como herpes, rubéola, sífilis e toxoplasmose.
  2. Malformação craniofacial como microtia/atresia, displasia auricular, fissura labial, mancha branca no cabelo, microftalmia.
  3. Microcefalia congênita e hidrocefalia adquirida.
  4. Anormalidades de osso temporal.
  5. Há mais de 400 síndromes identificadas que podem levar a limiares alterados.

ACOMPANHAMENTO EM 3 MESES APÓS A OCORRÊNCIA

  1. Oxigenação por membrana extracorpórea.
  2. Infecção uterina por citomegalovírus

*Acompanhamento deve acontecer até os 3 anos de idade.

  1. Infecções associadas a perda auditiva neurossensorial de origem bacteriana e viral tais como herpes, meningite, varicela/catapora e encefalite.
  2. Trauma na cabeça, especialmente na base do crânio e fraturas no osso temporal.
  3. Quimioterapia.
  4. Depois, manter acompanhamento anual ou intervalos menores conforme queixa dos pais e cuidadores.

ACOMPANHAMENTO EM ATÉ 1 MÊS

  1. Mãe positivada para Zika Vírus e bebê com evidência laboratorial de infecção.

ACOMPANHAMENTO IMEDIATO

  1. Preocupação dos pais com relação ao desenvolvimento auditivo, de fala, de linguagem, atraso do desenvolvimento e regressão do desenvolvimento.
  2. Após, o acompanhamento deve se dar a partir do resultados e futuras queixas.

RISCO ELEVADO PARA PERDA AUDITIVA ADQUIRIDA OU PROGRESSIVA:

  1. Citomegalovírus.
  2. Oxigenação por membrana extracorpórea.
  3. Histórico familiar de perda auditiva.

Diante de todos esses IRDA, é fundamental que a Triagem Auditiva Neonatal não se constitua como uma ação única e isolada para a identificação precoce da deficiência auditiva, mas em conjunto com o acompanhamento do desenvolvimento da audição e da linguagem a fim de possibilitar melhores resultados. Além disso, é importante realizar uma avaliação auditiva periódica também em todas as crianças sem risco para o desenvolvimento de deficiência auditiva aos 2 anos de idade e antes de ingressar no ensino fundamental.

SIGLAS

AB: Atenção Básica

ACS: Agentes Comunitários de Saúde

COMUSA: Comitê Multiprofissional em Saúde Auditiva

DA: Deficiência Auditiva

DATAN: Diretrizes de Atenção à Triagem Auditiva Neonatal

DENA: Desordem do Espectro da Neuropatia Auditiva

EOE: Emissões Otoacústicas Evocadas

ESF: Estratégia de Saúde da Família

IRDA: Indicador de risco para deficiência auditiva

JCIH: Joint Committe on Infant Hearing

PA: Perda Auditiva

PEATEa: Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico Automático

PNASA: Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva

TAN: Triagem Auditiva Neonatal

UBS: Unidade Básica de Saúde

UTIN: Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

Fontes:

Joint Committee on Infant Hearing (2019) ‘Year 2019 Position Statement: Principles and Guidelines for Early Hearing Detection and Intervention Programs’, The Journal of Early Hearing and Intervention, 4(2), pp. 1–44.

BRASIL. Lei 12.303, de 02 de agosto de 2010. Dispõe sobre a obrigatoriedade de realização do exame denominado Emissões Otoacústicas Evocadas. Brasília, 2010. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br&gt;. Acesso em: 16 setembro 2018. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal. Brasília, 2012. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_triagem_auditiva_neonatal.pdf&gt;. Acesso em: 16 setembro 2018.

Joint Committee on Infant Hearing. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120(4):898-921.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal. Ministério da Saúde, p. 32, 2012. 

 ALVARENGA, K. F et al. Triagem auditiva neonatal: motivos da evasão das famílias no processo de detecção precoce. Rev Soc Bras Fonoaudiol., São Paulo, v. 17, n. 3, p. 241-247, 2012.

ALVARENGA, K. F et al. Questionário para monitoramento do desenvolvimento auditivo e de linguagem no primeiro ano de vida. CoDAS, São Paulo, v. 25, n. 1, P. 16-21, 2013. 

ARAÚJO, E. S; LIMA, F. S; ALVARENGA, K. F. Monitoramento de crianças com indicadores de risco para a deficiência auditiva. Rev. CEFAC, São Paulo, v. 15, n. 2, p.305-313, mar/abr. 2013. 

COMUSA. LEWIS, D. R. et al. (Org.) Multiprofessional committee on auditory health – Brazilian Journal Of Otorhinolaryngology São Paulo, v. 76, n. 1, p.121-128, jan./fev. 2010. 

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