Reabilitação auditiva e Implante Coclear em crianças com múltiplas deficiências

A reabilitação de crianças com deficiência auditiva neurossensorial Bilateral, de severa a profunda, com o implante coclear foi consagrada nas últimas décadas, contudo, ainda permanece um desafio para a otorrinolaringologia e a fonoaudiologia a reabilitação do portador de múltiplas deficiências.

Além dos prejuízos motores na Paralisia Cerebral (PC), podem estar presentes outros comprometimentos, como déficits auditivos, visuais e cognitivos, além de alterações da linguagem, do comportamento e da aprendizagem. A literatura especializada aponta que de 51% a 60% dos casos de portadores de múltiplas deficiências apresentam deficiência auditiva de grau variável. Atualmente, nos casos de crianças com paralisia cerebral e deficiência auditiva associada, o implante coclear (IC) tem sido considerado como opção terapêutica nos casos de deficiência auditiva neurossensorial bilateral de grau severo e/ou profundo, que não tiveram benefício com o uso do Aparelho de Amplificação Sonora Individual – AASI. Embora o IC unilateral proporcione ao usuário uma boa compreensão de fala nas situações de silêncio, sendo considerado um efetivo recurso para a reabilitação de adultos e crianças com deficiência auditiva, atualmente, o IC bilateral tem sido considerado como opção terapêutica com o intuito de fornecer aos seus usuários as vantagens da audição binaural. Dentre as vantagens da audição binaural, é possível destacar a melhora na capacidade da localização sonora, na percepção da fala em ambientes ruidosos, na percepção musical, na percepção mais clara dos sons com relação à distância da fonte sonora e na percepção da fala para sons de menores intensidades. Os resultados e o prognóstico com o IC bilateral dependem de fatores relacionados, tais como a escolha adequada do paciente, a idade em que a cirurgia é realizada, o intervalo entre as duas cirurgias, o envolvimento da família durante todo o processo de (re) habilitação, bem como a realização de terapia fonoaudiológica especializada. Quanto mais cedo o cérebro receber sons com significado, maiores condições ele terá de produzir bons resultados devido à plasticidade funcional do sistema nervoso central e da diminuição da privação sensorial. Neste sentido, o início do processo fonoaudiológico com a criança implantada é conduzi-la ao significado dos sons que escuta, associando-os à sua fonte sonora. Conforme este desenvolvimento acontece, a criança ficará cada vez mais confiante na sua via sensorial auditiva. Em uma população de usuários de IC, 46% apresentavam algum tipo de deficiência adicional. Estas deficiências podem impactar o desenvolvimento da linguagem mesmo com o uso do IC. Nessa perspectiva, observa-se que a criança avaliada, mesmo apresentando outra deficiência adicional, esteve, durante a coleta de dados, em constante desenvolvimento das suas habilidades de audição e linguagem. Mais de 80% das famílias de crianças com múltiplas deficiências que usam o IC relataram que seus filhos tiveram melhoras na consciência de sons ambientais e estavam mais atentos e interessados em casa. Após sete meses da primeira aplicação da Escala de Integração Auditiva Significativa para crianças pequenas (IT-MAIS), a primeira criança implantada em nosso centro de reabilitação apresentou um acréscimo de 27,5% no protocolo. Neste período, ampliou a compreensão auditiva de 161 vocábulos, de acordo com os resultados do Inventário MacArthur de Desenvolvimento Comunicativo (IDC). Esse pode ser um indicador de que o uso do IC tem sido efetivo para esta criança, o que pode torná-la cada dia mais confiante na sua via sensorial auditiva. Aos 15 meses, a criança pode compreender 10 palavras ou frases simples sem os objetos presentes, aponta pessoas familiares, animais ou brinquedos quando são solicitados,  executa pedidos simples e compreende frases e questões simples com as palavras chave, como, por exemplo, “Onde está o papai?”. No que diz respeito à compreensão auditiva, de acordo com o IDC, com 15 meses de idade de desenvolvimento auditivo a criança estudada compreendia 58 vocábulos. Próximo aos 24 meses de idade de desenvolvimento auditivo com IC bilateral, a criança encontrava-se em processo ativo de desenvolvimento das habilidades auditivas, em especial no que se refere à habilidade auditiva mais complexa, que é a compreensão auditiva. Neste período, compreendia 190 vocábulos de acordo com o IDC. Até os 24 meses, a criança apresenta memória auditiva para dois vocábulos, compreende uma variedade de frases, discrimina frases descritivas, segue ordens de duas direções, reconhece por categorização, compreende frases de ação, perguntas, imperativos e afirmações rotineiras e situacionais, compreende pronomes pessoais, compreende o negativo “não”, compreende alguns conceitos – em cima, dentro, embaixo – e cerca de 250 a 300 vocábulos. Com 38 meses de uso do IC bilateral, a criança discriminava vozes em meio à presença do ruído ambiental, começava a fazer o uso do telefone por meio do conjunto fechado e compreendia várias situações complexas, em conjunto aberto. O resultado do questionário IT-MAIS* apresentou escore 35% superior ao primeiro questionário aplicado, aos 15 meses. Realizava a compreensão de 342 vocábulos, conforme o IDC. Desta forma, o uso do IC bilateral tem sido uma opção terapêutica efetiva para estas crianças com deficiência auditiva associada a um quadro de Paralisia Cerebral, pois este dispositivo eletrônico tem favorecido a estimulação auditiva de forma binaural, possibilitando o avanço das suas habilidades auditivas e comunicativas. Os resultados obtidos das nossas 5 crianças implantadas e a revisão sistemática sobre o tema evidenciaram que o uso sistemático do implante coclear possibilitou o progresso no desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem nestas crianças com Paralisia Cerebral no processo de Reabilitação Auditiva. É relevante que mais estudos possam ser desenvolvidos abordando o desempenho auditivo e de linguagem com indivíduos usuários de implante coclear em múltiplas deficiências.

Tabela: Resultados do IT-MAIS e IDC teste e classificação da audição e linguagem de uma das 5 crianças implantadas portadoras de Paralisia Cerebral em nosso Centro de Reabilitação.

*Legenda: Infant-Toddler Meaningful Auditory Integration Scale (IT-MAIS); MacArthur-Bates Communicative
Development Inventory (IDC).

Fontes:

1) A.M.S. Hilgenberg,F.F. Caldas,T.M. Melo, F. Bahmad Jr. – Reabilitação auditiva e implante coclear bilateral em criança com paralisia cerebral. G&S, 4 (2013), pp. 1710-1724.

2) Hilgenberg AM, Cardoso CC, Caldas FF, Tschiedel RS, Deperon TM, Bahmad Jr. F. – Hearing rehabilitation in cerebral palsy: development of language and hearing after cochlear implantation. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:240–7.

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