Escrito por Lígia Fleury
Quero mesmo expressar o que EU sinto.
Quando fazia meu Pós em Psicopedagogia, nos idos de 80, vivi uma situação repugnante e hoje, tenho certeza, foi a gota d’água para me colocar a serviço da INCLUSÃO.
Foi na escola em que fiz estágio e na escola em que eu estudei no antigo Primário. Eu tinha minhas melhores referências para escolher estagiar ali. A volta ao passado me trazia boas e doces lembranças. Mal sabia eu que ali meu futuro seria mesmo marcado por um propósito na Educação.
O fato: havia um aluno com 12 anos em uma classe de 4ª série – atual 5º ano. Levado, adorava ficar na velha e enorme árvore do pátio. Filho de uma prostituta e caçula de 8 filhos, era inteligente, levado, alegre.
Naquele dia, Vavá- vou chamá-lo assim neste relato, fugiu da aula e subiu na antiga árvore de troncos bem enormes . Ninguém o tirava de lá. Quando desceu, e foi porque ele quis descer , veio o castigo em alto e bom som: “ Vavá, você assistirá, por um mês, aula na sala especial”.
Jamais esquecerei minha revolta.
Eram tempos em que os estudos engatinhavam na busca pela decente e eficaz INCLUSÃO; havia as classes ditas “especiais” para todos os alunos com com comprometimento neurológico, motor, intelectual. Tudo junto-me misturado, no espaço só para eles.
Eu era 32 anos mais nova do que hoje, mas já tinha 10 anos de experiência enquanto Professora.
Sabia que ali havia, no mínimo, 4 enormes erros:
1) a compreensão de que sala especial seria castigo;
2) expor um aluno em público ;
3) não chamar a família para o diálogo;
4) não haver uma proposta efetiva de ações para que Vavá superasse suas dificuldades.
“ Serei pela INCLUSÃO. Serei pela EDUCAÇÃO “. E hoje, me vejo chorando de tristeza.
Nestes anos de muito trabalho, de deliciosas horas debruçada em palavras, vídeos, palestras, cursos, vivi a linda caminhada da inclusão.
Criei uma frase para o trabalho inclusivo “ INCLUSÃO só deixará de existir quando o mundo corporativo passar a contratar pela competência e não mais pela aceitação das dificuldades”.
Lutei minha vida inteira – e continuo, para que alunos sejam iguais nas suas diferenças; para que as dificuldades sejam superadas pelas habilidades.
Quantos encontros com familiares para mostrar que ninguém é igual a ninguém!
Quantas formações para orientar Professores na elaboração de atividades cotidianas para desafiar a todos, com a máxima “ cada um aprende de um jeito”!
Vivi cenas lindas, de crianças levando crianças e jovens cadeirantes aos diferentes espaços.
Situações lindas. Dentre tantas e tantas, levamos um adolescente de 12 anos, cadeirante, sem pernas e braços , para um acampamento ! Quem cuidava dele? Seus colegas. A função dele? Ensinar aos colegas como fazerem para que ele se alimentasse, brincasse, participasse. Subiu morro, nadou…jogou futebol com adaptações feitas pelos nobres Professores e maravilhosos colegas.
E que tal autistas se comunicando conosco? Um deles, por dois anos, não conseguia entrar em sala sem me dar bom dia!
Um microfone e um autista é igual a música para todos!
Um down em viagem internacional e seus colegas resulta em cooperação e aprendizagem, boas risadas e autonomia.
Deficientes auditivos e sua turma: aprender a leitura labial e estudar juntos. Silêncio e respeito.
Hiperativo, TDAH, disléxico … tempos diferentes, experiências diversificadas.
Falamos tanto em empatia . Percebe o leitor que o principal ingrediente que move estas posturas é a empatia?
E depois de conseguirmos PROVAR que os espaços devem ser para todos, que a VIDA é direito de todos, vem o retrocesso.
Conquistamos tanto e agora a sensação de nadar, nadar, nadar e morrer na praia.
Por que?
Porque um decreto autoriza que estudantes com questões inclusivas sejam separados dos demais.
Quantos “ Vavá “ teremos de volta?
Vamos lutar juntos pela INCLUSÃO, pelo amor de Deus, seja seu Deus como você acreditar.
Vamos lutar juntos pelas crianças, adolescentes e adultos inclusivos , sejam eles quais forem.
Vamos juntos porque a EDUCAÇÃO precisa de nós. O Brasil precisa da INCLUSÃO. O mundo sem fronteiras precisa da INCLUSÃO.
