O diagnóstico de uma perda auditiva pode impactar negativamente a vida profissional e social das pessoas portadoras da mesma. Embora as dificuldades e limitações causadas pela perda auditiva sejam inegáveis; atualmente, a maioria delas são passíveis de tratamento, o que minimiza significativamente essas limitações. Entre os tratamentos disponíveis há opções medicamentosas, cirúrgicas e de reabilitação com próteses auditivas implantáveis ou aparelhos auditivos convencionais (AASI). As perdas auditivas podem ser classificadas em leves, moderadas, severas ou profundas, mas independentemente da etiologia, a reabilitação das perdas severas e profundas costuma ser bastante desafiadora. Há exceções; porém, a melhor opção de reabilitação de perdas auditivas profundas e de algumas severas é o implante coclear.
O implante coclear é um dispositivo eletrônico constituído por um componente externo (processador sonoro) e um componente interno composto por um receptor-estimulador e um eletrodo que é inserido cirurgicamente dentro da cóclea do paciente e substituiu as células auditivas destruídas ou disfuncionais. A comunicação entre os dois componentes é realizada através de um imã que é implantando juntamente com a unidade interna, que fica debaixo do couro cabeludo. Uma antena conecta-se magneticamente ao imã, transferido os estímulos sonoros captados e digitalizados pelo componente externo para o componente interno, onde são transformados em estímulos elétricos. Através do eletrodo que foi implantado dentro da cóclea, esses estímulos elétricos estimulam diretamente as células ganglionares e as fibras do nervo auditivo, sendo então transmitidos até o córtex auditivo no cérebro do paciente.
Algumas tentativas de implante coclear com sistemas elétricos rudimentares são reconhecidas historicamente; porém, sem o adequado sucesso na discriminação de palavras ou reconhecimento da voz. O primeiro implante coclear que realmente trouxe algum benefício para o paciente foi realizado pelos doutores William House e John Doyle na House Clinic em Los Angeles em 1961. Desde então, houve grande evolução tecnológica e atualmente temos implantes disponíveis de diferentes marcas, compatíveis com ressonância magnética, com conectividade sem fio com celulares e com processadores externos em peça única ou com os tradicionais aparelhos retroauriculares com antena. Os atuais eletrodos são capazes de estimular diferentes regiões da cóclea, uma vez que ele é constituído por diversos canais, facilitando a discriminação de diferentes sons e frequências. Porém, não há um implante perfeito para todas situações e a escolha do modelo e marca deve se basear na necessidade e em questões clínicas de cada paciente.
No Brasil, os implantes cocleares eram inicialmente realizados apenas pelo sistema público de saúde (SUS) ou com os custos totalmente pagos pelos pacientes. Atualmente, os convênios também dão cobertura para esses procedimentos. Porém, há regras claras sobre as indicações que são válidas tanto para o serviço público como para o privado. Esse processo de avaliação depende se a perda auditiva foi identificada ao nascimento ou antes do desenvolvimento de linguagem, nas chamadas perdas auditivas pré-linguais ou ocorreu após a aquisição de linguagem nas chamadas perdas auditivas pós-linguais. Especialmente nas perdas pré-linguais onde há um prazo máximo aceitável para realização da cirurgia, é imprescindível a identificação do candidato ao implante o mais precoce possível. Para tal, foi criado um programa de testagem universal de todos recém-nascidos no Brasil, conhecido com Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU). De toda maneira, a avaliação do candidato é sempre multidisciplinar com envolvimento do médico otorrinolaringologista, fonoaudióloga, psicóloga e assistente social. Em casos de pacientes com múltiplas deficiências como perda visual, alterações neurológicas e cognitivas além da perda auditiva, outros especialistas devem ser consultados e participar da decisão sobre a realização ou não do implante coclear.
Entre os exames e testes audiométricos realizados na avaliação do candidato ao implante coclear estão a audiometria tonal e vocal, audiometria comportamental, impedanciometria, audiometria de tronco cerebral (BERA), emissões otoacústicas e potenciais auditivos de estado estável. A avaliação do ganho com aparelhos auditivos convencionais, teste de percepção de fala e avaliação da linguagem também devem ser realizados. Além dos testes auditivos mencionados, é mandatório a realização de exames de imagens como tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética dos ouvidos e crânio para avaliar a permeabilidade da cóclea e a presença do nervo auditivo. Nem todos pacientes precisam realizar todos exames mencionados e decisão de quais exames são necessários é decidida de maneira personalizada.
A cirurgia do implante coclear é um procedimento bastante delicado e necessita de um treinamento cirúrgico especializado. Porém, tem baixo risco e geralmente o paciente recebe alta no dia seguinte ao procedimento. Principalmente em pacientes com perdas auditivas pré-linguais ou em pacientes com surdez pós meningite, o implante deve ser, preferencialmente, realizado bilateralmente na mesma cirurgia. A fonoaudióloga participa da cirurgia do implante realizando a telemetria intra-operatória que avalia a integridade do implante coclear e pesquisa de respostas auditivas. Os principais riscos associados à cirurgia são a paralisia facial periférica, tonturas, infecções com extrusão do implante e dificuldades de inserção do eletrodo.
A ativação do implante coclear é realizada em torno de um mês após a cirurgia e são necessárias várias visitas à fonoaudióloga para ajustes nos programas durante a adaptação ao implante. A realização de terapia de linguagem é necessária e otimiza muito o benefício do implante. Em média, o paciente atinge os melhores resultados em termos de reconhecimento de fala após um ano da cirurgia e muitos pacientes são capazes de falar ao telefone ou conversar e compreender adequadamente em ambiente ruidosos.
