Surdez súbita

Existem inúmeras causas para a perda auditiva, mas definitivamente quando ela ocorre de maneira abrupta, a repercussão é enorme, situação chamada amplamente de Surdez Súbita, muitas vezes referida pelo termo em inglês “Single Sided Deafness” ou SSD, quando a surdez é profunda e unilateral. 

A surdez súbita se caracteriza como uma surdez neurossensorial de aparecimento rápido, súbito como o próprio nome já diz. Seu acometimento é quase sempre unilateral, acompanhada de zumbidos em aproximadamente 80 por cento dos casos e de tonturas ou vertigens em quase 30 por cento das vezes. 

A etiologia da surdez súbita é vasta em possibilidades e causas, que devem sempre ser investigadas, mas muitos casos acabam sem um diagnóstico etiológico preciso, ou seja, não se acha o fator causador da surdez. É raro que se trate de uma situação causal mais grave embora em cerca 10% dos casos a causa pode ser um tumor benigno do nervo vestibular conhecido como neurinoma do acústico, cujo nome correto é schwannoma vestibular, já que o tumor não é do nervo acústico ou coclear e sim do nervo vestibular, mas comprime o nervo coclear causando surdez ou zumbido, ou ambos. Outras causas são genéticas, autoimunes (como a Síndrome de Cogan, formação de anticorpos anti-cóclea, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, dentre outras), vasculares (hipertensão arterial, tromboses, diabetes mellitus), infecciosas ( herpes simples, herpes zoster, vírus influenzae, e mais recentemente o SARS-COV 2 ou coronavírus) ou traumáticas.

Vale ressaltar que a Surdez Súbita por definição é uma perda neurossensorial, e não condutiva. Portanto quadros de perda de audição por rolha de cerúmen, otites, perfuração de tímpano, otosclerose e outros não entram na definição de surdez súbita em si, apesar de todas poderem causar algum grau de surdez de início súbito, porém estas são mais facilmente diagnosticadas e têm tratamento específico.

O fator mais importante quando se pensa em Surdez Súbita é o tempo para o primeiro atendimento. Frente a uma perda súbita de audição, o atendimento médico deve ser feito o quanto antes, assim que possível, para se descartar causas comuns de surdez condutiva, como o excesso de cerúmen, e confirmar a origem neurossensorial do quadro e portanto caracterizar como surdez súbita verdadeira, a qual é considerada uma urgência pois o tratamento precoce rapidamente instituído muda o prognóstico.

Como o exame clínico é na maioria das vezes normal, há necessidade de exames complementares, começando com a audiometria tonal e vocal. Quando se revela a surdez neurossensorial de 30 ou mais decibéis em 3 ou mais frequências  em um dos ouvidos, confirma-se o diagnóstico de surdez súbita. Caso o paciente tenha outras queixas não relacionadas à audição (neurológicas, dermatológicas, visuais, articulares, dentre outras) deve-se solicitar exames específicos que ajudam a investigar a causa da surdez e a doença envolvida. A história do uso recente de medicamentos também deve ser pesquisada devido à possibilidade de ototoxicidade em diversos medicamentos. Importante ressaltar que atualmente segundo os protocolos recentes, os exames de sangue devem ser pedidos conforme os sintomas associados e história clínica do paciente.

A ressonância nuclear magnética deve ser feita em todos os casos para se afastar a chance de tumores comprimindo o nervo coclear, como citado anteriormente, ou lesões do sistema nervoso central. Além do schwannoma vestibular, existem outros tumores que podem se manifestar com surdez súbita, como o meningioma, e também doenças desmielinizantes do sistema nervoso central, como a esclerose múltipla, que também pode ter como sintoma inicial a surdez súbita.

Como em muitos casos ficamos sem o diagnóstico preciso da causa da surdez súbita, inicia-se o tratamento empírico assim que possível. Embora existam várias possibilidades de tratamento e várias medicações descritas, o consenso mais recente da Academia Americana de Otorrinolaringologia sugere o uso dos corticoesteróides orais ou em aplicações por injeção intratimpânica. Este último método tem sido amplamente difundido e utilizado nos últimos anos devido aos riscos relacionados ao uso de corticoesteróides orais em altas doses e períodos prolongados. Além disso, com os métodos atuais de endoscopia e microscopia, a aplicação intratimpânica de corticoides que pode ser realizada muitas vezes no consultório em algumas sessões, com baixíssimos índices de complicações. Pode ser feita com injeção direta pelo tímpano em cada sessão, ou então com a colocação prévia de um tubo de ventilação, o chamado carretel, usado para drenagem de secreções ou prevenção de otites em crianças. O tubo de ventilação é colocado uma vez e então as infiltrações dentro da orelha média são realizadas em consultório através do carretel, de maneira indolor e assintomática. 

As injeções intratimpânicas de corticoesteróides são indicadas no chamado tratamento de resgate, ou seja, quando os corticóides orais não tiveram efeito desejado na recuperação total ou parcial da audição, após duas semanas, ou nos casos onde há contraindicação ao uso dessas medicações por via oral, como doenças sistêmicas incluindo hipertensão arterial, cardiopatias, doenças renais, hepáticas, dentre outras.

Outras medicações são feitas conforme o diagnóstico etiológico encontrado ou patologias associadas, como antivirais, por exemplo, dentre outras.

Infelizmente muitos pacientes permanecem com sequelas auditivas, podendo inclusive ser uma perda auditiva total, a surdez profunda. Em todos os casos de sequelas há opções de tratamentos de reabilitação, seja com aparelhos auditivos comuns, no caso de resíduo auditivo que possa ser amplificado, o uso do sistema CROS ou as próteses osteoancoradas ou próteses ancoradas ao osso, ambas que funcionam jogando o som para o outro lado, para o lado com a audição melhor, como já explicado em outro artigo que escrevemos recentemente. E por último, existe a opção do implante coclear, para casos selecionados, recentes, principalmente com zumbido intratável associado. Lembramos que a indicação do implante coclear deve ser a última opção quando nenhum dos outros tratamentos obteve sucesso, e a surdez é severa ou profunda. Muitos pacientes com surdez profunda unilateral têm recebido implante coclear para recuperar a audição binaural, já que o implante coclear seria o único tratamento cirúrgico que realmente oferece a possibilidade de audição bilateral e também binaural, ou seja, nos dois ouvidos. O sistema CROS e as próteses osteoancoradas apenas levam o som até o lado bom, portanto oferecem a sensação de som bilateral mas não audição nos dois ouvidos, que seria a audição binaural.

Por último, mas não menos importante, valem as orientações para quase todas as questões de saúde, a prevenção! Levar uma vida saudável, observando os cuidados gerais com a saúde de forma ampla e evitando os fatores de risco para a surdez são importantes sempre. Hábitos saudáveis, exercícios físicos, boa alimentação, evitar automedicação, investir na qualidade do sono e cuidar da saúde mental são fatores determinantes para evitar tanto a surdez súbita quanto milhares de doenças! Apesar dos avanços tecnológicos e científicos para a saúde nos últimos anos, muitas dúvidas permanecem e portanto sempre a prevenção é sempre o melhor remédio!

Referências: Guidelines da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, publicadas em agosto de 2019.

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