Audição e desenvolvimento de fala e linguagem

A linguagem é considerada uma das maiores conquistas do ser humano. É composta por uma complexa rede de estruturas neurológicas que permite a nossa capacidade de comunicação como um todo, verbal e não verbal, estimulando ainda mais o vínculo interpessoal e a interação social.

A audição é um dos pilares sensoriais para o desenvolvimento social como um todo – e também para a linguagem. Graças às nossas habilidades de percepção, conseguimos associar informações sensoriais que recebemos à nossa memória e cognição, de modo que formamos conceitos sobre o mundo e sobre o que acontece ao nosso redor. É assim que a linguagem se constitui: como uma gama de experiências, auditivas, visuais, táteis, somatossensoriais, que são transmitidas aos centros neurológicos, tendo como resultado significados diversos para essas vivências, que transformam esses conceitos em realidade.

A audição também é um dos primeiros sentidos a estar completamente desenvolvido desde antes do nascimento. Ao redor das 28 semanas gestacionais, o bebê já consegue reconhecer padrões relacionados à emissão da voz materna, como a prosódia e a melodia. É exatamente por este motivo que, ao cantar ou conversar com o bebê intra-útero, muitas vezes podem ocorrer como respostas movimentos de membros ou mesmo agitação.

Desde os primeiros meses de vida, a criança demonstra uma competência ímpar para discriminar os sons da fala. Ao longo dos primeiros 3 meses de vida, o bebê vai ganhando ainda mais destreza para discriminar pistas de entonação, seguindo a mãe com contato visual ativamente ao ouvir a sua voz. O bebê também reage aos sons, principalmente quando muito intensos ou inesperados, como o bater de uma porta. Ao redor dos 6 meses, a representação das vogais vai ganhando modificação, ao ponto de que a criança consegue reconhecer diferentes padrões de tom da voz materna e intercala o balbucio com a fala da mãe, imitando um diálogo.

Aos 9 meses, já é esperado que a criança lateralize a cabeça para os sons, conseguindo reconhecer o local de emissão da fonte sonora. Além disso, ela vai ganhando algumas noções de interação social, como entender o que significa “jogar um beijo” ou “dar tchau”. Já ao redor dos 12 meses, é esperado que a criança inicie a produção de fonemas/palavras isoladas, entender alguns comandos simples, e demonstrar uma intenção comunicativa para realizar pedidos, fazer perguntas ou mesmo exclamar. Vale lembrar que estes marcos não são rígidos ou fixos, mas servem como guias para avaliar o surgimento limite desses parâmetros conforme as faixas etárias.

Um outro fator a ser levado em consideração é o nível e a intensidade das interações sociais. Fatores ambientais, como o afeto, o acolhimento, o senso de segurança e de conforto que a família pode prover para o bebê são fundamentais para o desenvolvimento de uma intenção comunicativa por parte da criança.

Caso esses marcos não sejam atingidos da forma como o esperado, o Médico Foniatra é um dos profissionais que pode auxiliar, atuando ativamente nas questões relacionadas ao comprometimento do desenvolvimento de fala e linguagem. A Foniatria é uma Área de Atuação da Otorrinolaringologia, e dedica-se ao estudo da comunicação humana e seus distúrbios. Sendo assim, o Foniatra auxilia no diagnóstico médico de transtornos que afetem o desenvolvimento de fala, linguagem, audição e aprendizagem. Além disso, este profissional participa, juntamente a um acompanhamento multidisciplinar, da elaboração de propostas terapêuticas e educacionais, com enfoque nos aspectos médicos, para o atendimento destas questões.

Na ausência de um reconhecimento precoce de uma possível perda auditiva, uma criança surda ou com comprometimento da audição na infância pode apresentar atraso na fala e no desenvolvimento da linguagem, envolvendo o desempenho acadêmico e social e ter repercussões também no âmbito emocional.

A Triagem Auditiva Neonatal Universal (Teste da Orelhinha) é um exame de rastreamento realizado em recém-nascidos. Este teste é capaz de identificar perdas auditivas maiores ou iguais a 35 dBNA. De acordo com o que é proposto pelo programa de intervenção e investigação, o diagnóstico deve estar definido aos três meses de vida e a intervenção deve iniciar-se até os seis meses.

Atualmente, discute-se inclusive que esse diagnóstico seja feito ainda mais precocemente, para reabilitação o quão breve possível. Preconiza-se que o teste seja realizado nas primeiras 24-48 horas ou até o fim do primeiro mês de vida e, se houver falha no primeiro teste, a criança deve passar novamente pelo procedimento dentro de um prazo de 15 a 30 dias. Tendo resultado com falha unilateral, recomenda-se repetir o teste em ambas as orelhas.

Crianças com fatores de risco para o desenvolvimento de perda auditiva devem passar por uma avaliação mais rigorosa com o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico Automático, e devem receber seguimento com o Médico Otorrinolaringologista por, pelo menos, até os 03 anos de idade.

Mesmo que haja todo esse movimento em busca da avaliação de todos dos recém nascidos, o fato de ter um teste de Triagem Auditiva dentro da normalidade não exclui a possibilidade de a criança ter algum acometimento auditivo ao longo dos primeiros anos de vida. Este é um ponto crucial, um alerta para que os pais, pediatras, cuidadores e familiares estejam observando ativamente a evolução da criança e os marcos do desenvolvimento da linguagem, e a interação social dos pequenos. Existem perdas auditivas tardias que podem se manifestar ao longo da Primeira Infância, e que podem inclusive impactar no desenvolvimento de habilidades de comunicação, motivo pelo qual o seguimento clínico é primordial e imprescindível.

Além das avaliações que envolvem o protocolo da TANU, existem outros métodos de avaliação audiológica que conferem a reação das crianças ao som, e a resposta psicoacústica ao mesmo. A audiometria de Observação Comportamental, por exemplo, é um exame qualitativo que pode ser realizado a partir do momento em que a criança sustenta a cabeça, pois a resposta depende da procura da fonte sonora. Todas essas possibilidades de exames audiológicos devem ser propostas pelo Médico que acompanha a criança, e devem ser levadas em consideração conforme cada caso, individualmente.

Portanto, qualquer criança que demonstra atraso auditivo, de comunicação ou no desenvolvimento de habilidades, mesmo que a criança seja aprovada em Triagem Auditiva quando recém-nascido, deve ser prontamente encaminhado para avaliação audiológica e seguimento clínico. Além disso, qualquer criança cujos pais e cuidadores expressam preocupação em relação à audição e/ou desenvolvimento de habilidades de comunicação, mesmo que essa criança tenha passado na TANU, deve ser prontamente encaminhado para avaliação.

Referências:
1) Diretrizes gerais para a atenção especializada às pessoas com deficiência auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS) – PORTARIA GM/MS No 2.776, de 18 de dezembro de 2014.
2) Year 2019 Position Statement: Principles and Guidelines for Early Hearing Detection and Intervention Programs The Joint Committee on Infant Hearing. The Journal of Early Hearing Detection and Intervention 2019; 4(2)

3) SATO, Luciene M et al. Distúrbios da Comunicação em Pacientes Pediátricos – um Algoritmo da Avaliação Audiológica. SALUSVITA, Bauru, v. 38, n. 3, p. 567-579, 2019.
4) FAVERO, M; PIRANA, S. Tratado de Foniatria. Rio de Janeiro, Thieme Revinter, 2020.
5) NEEL, M.L; STARK, A.R.; MAITRE, N.L. Parenting style impacts cognitive and behavioural outcomes of former preterm infants: A systematic review. Child Care Health Dev. 2018;1–9.
6) WALLACE, I.F et al. Screening for Speech and Language Delay in Children 5 Years Old and Younger: A Systematic Review. PEDIATRICS Volume 136, number 2, August 2015

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