O começo da perda auditiva unilateral costuma ser de forma abrupta e idiopático, por mínima que seja a assimetria entre as orelhas, tem o poder de proporcionar uma deficiência auditiva, principalmente no que se refere a situações com inúmeras pessoas falando ao mesmo tempo. Consequentemente, a perda total ou quase total da audição em um ouvido proporciona dificuldades na escuta na maioria das situações diárias dos sujeitos. Essa perda auditiva unilateral dificulta a capacidade de compreender a fala no ruído, a capacidade de localizar sons e limita a percepção dos sons localizados no lado do ouvido prejudicado. Essas dificuldades e suas consequências para as atividades sociais e vocacionais podem gerar sentimentos de aborrecimento, constrangimento e impotência (Kitterick, Smith e Lucas, 2016). Ao longo desse artigo falaremos de maneira mais assertiva das dificuldades enfrentadas por um indivíduo com perda auditiva unilateral e como o implante coclear pode melhorar sua percepção do mundo sonoro.
Figura 1: Audiograma com perda auditiva profunda unilateral Fonte: portfólio da empresa Cochlear
Quais as possíveis causas da perda auditiva unilateral?
A perda auditiva unilateral pode ter diversas causas e algumas são as mesmas que provocam a surdez bilateral, como a otosclerose, a otite aguda, a exposição a ruídos excessivos, tumores, entre outras doenças. Dentre as causas mais comuns temos:
∙ Surdez súbita
Trata-se da perda repentina e brusca da audição sem causa definida. Pode ocorrer em ambos os lados ou em apenas um ouvido, provocando o surgimento do sintoma zumbido. A fisiopatologia exata da doença ainda é desconhecida, sendo a infecção viral o fator causal mais provável.
Um estudo recente publicado por Koumpa, Forde e Manjaly (2020) relatou sobre um paciente de 45 anos com asma, que enquanto estava no hospital para tratamento de COVID-19, compareceu ao departamento de otorrinolaringologia após uma semana de perda auditiva. Durante a consulta o paciente relatou que exatamente uma semana após a extubação e transferência para fora da UTI, notou zumbido no lado esquerdo e perda auditiva de início súbito. O paciente não apresentava histórico anterior de perda auditiva ou patologia de ouvido, foi submetido ao exame de audiometria tonal de tons puros que confirmou o diagnóstico. As frequências de 2, 3, 4 e 6 kHz foram as mais afetadas e os limiares auditivos elevados de 65, 75, 75 e 85 dB, respectivamente. Este foi o primeiro caso relatado de perda auditiva neurossensorial após infecção por COVID-19 no Reino Unido. No entanto, com a presença disseminada do vírus na população e os significativos impactos na perda auditiva, é fundamental uma investigação mais detalhada sobre essa temática.
∙ Surdez congênita
A surdez é uma das patologias mais prevalentes do período neonatal, afeta 1 a 3 por cada 1000 recém-nascidos – RN sem fatores de risco e 20 a 40 por cada 1000 RN com fatores de risco para surdez (Gravel et al, 2000). Detectada neste período, pode ser congênita ou precocemente adquirida.
Etiologicamente a surdez congénita divide-se entre genética e adquirida (in útero) (Grindle, 2014).
∙ Neurinoma do acústico
Neurinoma acústico são tumores intracranianos primários da bainha da célula de schwann que envolvem o nervo vestibulococlear (VIII nervo craniano), responsável por conduzir os impulsos elétricos produzidos pela cóclea até o tronco cerebral. Como outros nervos, o vestibulococlear possui uma “capa” proteica de mielina conhecida como bainha. Os tumores se formam nessa bainha e a perda de audição progressiva é um dos seus principais sintomas. Isso ocorre devido a compressão do nervo e a interrupção dos impulsos elétricos que por ele trafegam.
∙ Síndrome de Ménière
É uma outra causa muito comum de perda auditiva em um ou ambos os lados e ocorre quando há aumento na pressão da endolinfa (líquido localizado na parte interna do ouvido), corresponde a uma doença com diferentes sintomas que pode alterar o equilíbrio corporal e a audição.
∙ Traumatismo
Acidentes automobilísticos, agressões e ferimentos por armas estão dentre as causas externas de lesão da cóclea ou do nervo acústico que podem levar à deficiência auditiva unilateral.
Quais os prejuízos da perda auditiva unilateral?
Entre as diversas queixas relatadas por um sujeito com perda auditiva unilateral, a dificuldade de ouvir os sons do lado da perda devido ao efeito sombra da cabeça, sem dúvida é a mais frequente. Além da diminuição da capacidade de discriminação de palavras, dificuldade de compreender o discurso principalmente em ambientes ruidosos, sujeitos com esse tipo de perda apresentam a necessidade de direcionar a cabeça a fim de manter o melhor ouvido em direção ao som desejado, dificuldade de localização dos sons, presença de zumbido do lado da perda auditiva (Alvares et al, 2018).
Entre as habilidades auditivas que são favorecidas pela audição binaural a localização recebe maior destaque, contribuindo de forma significativa para habilidade de localização da fonte sonora, essa localização desperta uma sensação de segurança em relação ao ambiente, favorecendo a mobilidade e comunicação do indivíduo. Uma outra vantagem da audição binaural está relacionado ao efeito de somação binaural, que consiste no aumento da percepção de intensidade quando o estímulo sonoro é recebido por ambas as orelhas simultaneamente. A habilidade auditiva de reconhecimento dos sons principalmente em ambientes ruidosos, consiste em um outro aspecto favorecido pela audição binaural (Pupo, Barzaghi e Boéchat, 2015).
Uma das vantagens de apresentar uma audição integra em ambas as orelhas está relacionada ao efeito sombra na cabeça, este ocorre quando a cabeça atua como barreira acústica, o que cria uma diferença espectral entre as duas orelhas e, por sua vez, uma relação S / R (sinal/ruído) maior em uma das orelhas. Devido à perda dessas vantagens binaurais, os pacientes com perda auditiva sensório-neural unilateral severa a profunda, apresentam dificuldades na audição e compreensão de fala apresentada ao lado com deficiência auditiva, na localização do som e nas demais habilidades auditivas (Pupo, Barzaghi e Boéchat, 2015).
Em síntese as dificuldades de comunicação relacionadas à perda auditiva unilateral são grandes e envolvem problemas com a localização da fonte sonora, processamento temporal da informação e com as dificuldades de compreensão em ambientes ruidosos, na presença de ruído competitivo, ou na interlocução com mais de duas pessoas (Almeida, Ribas e Ataide, 2017).
Quais os tratamentos disponíveis?
No passado era comum um paciente com deficiência auditiva unilateral ouvir a seguinte frase, “você ainda tem um ouvido bom, é possível viver somente com ele” presumindo que um ouvido com audição normal fornecia dados
auditivos suficientes para a percepção das habilidades auditivas necessárias para comunicação, e em crianças para aquisição e desenvolvimento e fala e linguagem.
Os dados que suportam os efeitos negativos da surdez unilateral vêm se acumulando nas últimas décadas. Os efeitos da surdez unilateral vai além da audição espacial para o desenvolvimento da linguagem, taxas mais lentas de desempenho educacional, problemas na interação social e em tarefas cognitivamente exigentes tem seu destaque.
Atualmente com os inúmeros avanços da ciência e pesquisas voltadas para essa questão, é possível oferecer uma solução auditiva para cada tipo e origem de perda auditiva, seja ela unilateral ou bilateral, de origem na orelha externa, média ou interna.
A seguir serão elencados as soluções auditivas disponíveis para o tratamento da deficiência auditiva unilateral.
∙ Aparelho auditivo com sistema CROSS
Essa opção envia o som de um microfone colocado na orelha com pouca ou nenhuma audição para um receptor de aparelho auditivo no seu melhor ouvido. Isso permite que o paciente escute de ambas as orelhas, não importa a posição na mesa de jantar, ou se o som origina do seu lado difícil de ouvir, o indivíduo não perderá os sons mais importantes ao seu redor (Starkey, 2018).
∙ Prótese auditiva de condução óssea
Como o próprio nome diz é possível ouvir por meio da condução óssea do som. Existem duas formas que o som pode estimular a nossa orelha interna, seja por via aérea ou via óssea. No que se refere a condução por via aérea, o som entra pelo conduto auditivo, provoca a vibração da membrana timpânica, que por sua vez provoca a vibração da cadeia ossicular (conjunto de ossículos presentes na orelha média), o que estimula a nossa cóclea (presente na orelha interna), já
a condução por via óssea ocorre quando estes mecanismos do conduto auditivo, membrana timpânica e cadeia ossicular não participam do processo de estimulação da cóclea. O estímulo é conduzido pelo osso do crânio, estimulando diretamente a cóclea. No caso de surdez unilateral, o paciente não vai ouvir do lado da cirurgia, mas vai ouvir no lado oposto. O som é direcionado por meio da condução óssea estimulando o outro ouvido, é o que chamamos de pseudo binauralidade. Ajuda bastante o paciente quando o som está do lado da surdez e melhora a sua capacidade de localização sonora.
Figura 2: Sistema Baha® Fonte: portfólio da empresa Cochlear
∙ Implante coclear
É um dispositivo eletrônico de alta tecnologia, que estimula eletricamente as fibras nervosas remanescentes, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o nervo auditivo, afim de ser decodificado pelo córtex cerebral (Almeida; Ribas; Ataide, 2017). O funcionamento do implante coclear difere da prótese auditiva, uma vez que, o aparelho de amplificação sonora individual – AASI amplifica o som e o implante coclear fornece impulsos elétricos para estimulação das fibras neurais remanescentes em diferentes regiões da cóclea, possibilitando ao usuário, a capacidade de perceber o som. É composto por um componente interno e outro externo.
O implante coclear também demonstra ser uma eficaz intervenção para pacientes com perda auditiva sensório-neural unilateral de grau profundo, (single-sided deafness – SSD em inglês), do que o sistema CROSS ou prótese auditiva de condução óssea, em termos de: alívio do zumbido, localização, qualidade de vida e compreensão da fala no ruído em algumas condições espaciais. Como o implante coclear estimula o ouvido surdo, ele permite alguma restauração da audição binaural, sendo muito benéfico para a localização e compreensão de fala, quando a fala e o ruído estão separados espacialmente (Henryk et al, 2017).
Diante do exposto concluímos que tratamento para surdez unilateral que contemplem aparelhos auditivos com sistema CROSS ou de tecnologias ancoradas ao osso, apresentam suas limitações na restauração das habilidades auditivas do paciente, pelo fato dessas soluções auditivas transferirem o som para um único ouvido em funcionamento, o que permite a percepção do som do lado surdo e uma pequena melhora na audição em ambientes ruidosos e na localização.
Atualmente o implante coclear é o único tratamento para restaurar a audição binaural (Sokolov et al, 2020), sendo esta a condição ideal que confere ao ouvinte a dimensão de sonoridade necessária à percepção do mundo sonoro. Galvin et al (2018) concluíram em seu estudo que usuários de implante coclear apresentam melhoras no que diz respeito a compreensão de fala, gravidade do zumbido e qualidade de vida, que a redução do zumbido foram os maiores benefícios do implante coclear e os menores benefícios foram para a compreensão da fala no ruído.
Em caso de dificuldade em ouvir procure um médico e um fonoaudiólogo, os exames e encaminhamentos pertinentes serão realizados, ressalvo, que cada solução auditiva leva em consideração a singularidade de cada paciente. Lembre-se que o diagnóstico feito precocemente proporciona melhora na percepção do mundo sonoro, comunicação e qualidade de vida do paciente.
Referências Bibliográficas
- Almeida GVM, Ribas A, Ataide AL. Reabilitação de perdas auditivas unilaterais por próteses auditivas implantáveis: revisão sistemática. Audiol Commun Res. vol.22 São Paulo 2017 Epub 28-Set-2017 doi.org/10.1590/2317-6431-2017-1847
- Alvares Junior D, Esposito MP, Santos FAR, Lange FP, Ribeiro FR. Implante Coclear Na Surdez Unilateral: Uma Revisão Da Literatura Atual. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 01, Vol. 03, pp. 58-67, Janeiro de 2018. ISSN: 2448-0959
- Bevilacqua MC, Martinho-Carvalho AC, Costa Filho AO, Moret ALM. Implante coclear. In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Navas ALPGP, organizadores. Tratado de fonoaudiologia. 2a ed. São Paulo: Roca; 2015. p. 220-31.
- Cochlear, disponível em https://www.cochlear.com/intl/home/discover/cochlear-implants/how-it- works/. Acessado em 21 de janeiro de 2021.
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