O medo é uma emoção universal e fundamental para a nossa sobrevivência. Ele é um sinal de alerta que aparece quando estamos ameaçados. Apesar de sua importância como fator de proteção à nossa própria integridade, o medo é incomodo e desconfortável.
A negação funciona como um mecanismo de defesa que evita que entremos em contato com o sofrimento. No entanto, negar o medo e se focar apenas em emoções positivas é inconseqüente, pois nos impede de acionar nossos recursos internos para lidar com um situações que exigem uma ação na vida.
A negação nos paralisa, ela impede que tomemos as atitudes necessárias para seguir em frente e enfrentar os desafios que virão.
O oposto da negação é o pânico, quando o medo se torna desproporcional ao evento e nos imobiliza. Assim, ele deixa de ser um sinal de alerta para se tornar uma sensação constante que mina a nossa coragem de ir adiante. Precisamos nos proteger desse sentimento, criando um filtro interno que nos possibilite colocar energia nas nossas ações perante a vida.
O medo é inerente à vivência da surdez. A pessoa que convive com a falta ou a diminuição da audição, sentido diretamente relacionado à nossa capacidade de apreender o mundo e nos comunicarmos, lida com essa emoção diariamente. O medo aparece em diferentes situações: medo de não entender o que é dito e assim perder alguma informação ou responder algo sem sentido dentro daquele contexto, medo de ser visto como incapaz devido ao preconceito da nossa sociedade em relação às pessoas com deficiência, medo de não conseguir emprego, medo de ter dificuldade nos relacionamentos, medo de não ter acessibilidade e se sentir excluído, etc…
Crises são momentos decisivos, quando somos testados nos nossos limites, potenciais e criatividade. Nesse sentido, as pessoas com surdez conhecem o sentido dessa palavra ao pé da letra, tendo a sua capacidade de adaptação e superação desafiada diariamente. Aparelhos auditivos e implantes cocleares ajudam imensamente o acesso à compreensão dos sons e da fala, mas exigem tempo e esforço para a adaptação, nunca chegando a perfeição da audição natural. Faz parte dessa condição desenvolver resiliência, a capacidade de superar as adversidades e de sermos por elas fortalecidos.
Freqüentemente as crises também são momentos de grandes descobertas, quando não conseguimos manter o antigo modo de fazer as coisas e entramos numa curva acentuada de aprendizado e crescimento.
A pandemia do covid-19 tem desafiado toda a humanidade a lidar com o medo e a sua própria vulnerabilidade. Todos somos atingidos e de alguma maneira, convocados a nos transformar a partir de uma nova realidade, sem referências anteriores.
As pessoas com surdez enfrentam alguns desafios extras neste momento. O uso de mascaras, essencial para nos protegermos do vírus, inviabiliza a leitura labial e reduz o volume do som durante a comunicação. O trabalho em home office trouxe à tona a questão da falta de acessibilidade digital, uma vez que as legendas e a língua dos sinais, embora venham ganhando espaço, ainda são pouco oferecidos no ambiente virtual.
Por outro lado, esse é um bom momento para as pessoas que convivem com a surdez se apropriarem dos seus recursos internos, que já foram desenvolvidos anteriormente pelos desafios da sua própria condição. O imponderável da vida não é novidade no mundo dos que convivem com a surdez. Essas as pessoas já estão acostumadas a traçar uma nova rota quando o caminho conhecido, ou mais tranqüilo, se mostra inviável.
Momentos de isolamento e silêncio, tão comuns na vida das pessoas com surdez, nos ensinam a nos conectarmos com nós mesmos. Essa conexão é uma habilidade essencial para que possamos manter o nosso equilíbrio emocional nesse momento. A vida já nos ensinou a importância de mudar e nos renovarmos constantemente. A experiência de como lidamos com o medo e continuamos o nosso caminho, pode ser usada por nos mesmos e nos ajudar a inspirar o mundo, num momento em que força, paciência, coragem e solidariedade são fundamentais para que possamos sobreviver enquanto humanidade.
Resiliência é a capacidade humana e universal de superar as adversidades. Nem sempre podemos evitar ou escolhe-las, mas podemos transformar a maneira como as enfrentamos. O enfrentamento é uma processo ativo, de força e ação, que inclui um movimento de fazermos algo por nós mesmos. Ele tem como condição o vínculo com a vida e a busca da mudança e da renovação. Esse processo é dinâmico, não é um estado definitivo, nos desestabilizamos e nos reerguemos, numa eterna equação entre os desafios e os nossos recursos.
Nesse momento de pandemia e de medo, em que a única saída é seguirmos em frente, é imprescindível nos apropriarmos da nossa história e compartilharmos com toda a humanidade a nossa experiência de enfrentamento. Quando o caminho traçado anteriormente não funciona mais, o resiliente retoma a caminhada e traça um novo caminho, continua adiante, mesmo que não consiga visualizar aonde vai chegar. A pedra no caminho também é uma oportunidade de transformação. Resiliência implica em ressignificar o medo e reavaliar a nossa jornada. Precisamos ter coragem, atitude e esperança para continuar a caminhada, descobrindo as sementes preciosas que muitas vezes se encontram dentro dos espinhos.
