A grande variedade de drogas disponíveis para os mais variados tratamentos é algo que tem contribuído enormemente para a melhora da qualidade de vida e prolongamento da expectativa de vida populacional. Entretanto, há que se lembrar que nenhuma substância é inócua e que ao lançarmos mão de medicamentos, estamos também sujeitos a seus efeitos colaterais. Portanto digo sempre e reitero: remédio é excelente, porém na menor dose e variedade necessárias.
Dentre os efeitos colaterais esperados, os possíveis danos causados no ouvido interno (labirinto e cóclea) podem passar desapercebidos e serem causa de importante desconforto ou comprometimento auditivo para os pacientes. A esse tipo de dano, damos o nome de “ototoxicidade”, que é a lesão causada no ouvido interno pela exposição a diversas substâncias químicas.
Frequentemente, as drogas ototóxicas acometem preferencialmente uma das porções do ouvido interno (fig. 1 abaixo), embora possam prejudicar todas suas funções. A depender do local afetado, os sinais e sintomas serão variados, podendo incluir perda auditiva, zumbido e tontura. A ocorrência dessas queixas varia tanto em intensidade quanto frequência e, por esse motivo, cada caso tem de ser avaliado individualmente.
Fig. 1. O Ouvido Interno. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Anatomia_do_ouvido_interno.png> Acesso em: 21 de maio 2021.
É importante ressaltar que muito embora a grande parte desses efeitos seja de cunho temporário, ainda haverá uma parcela considerável de pacientes que apresentarão danos permanentes.
Questiona-se ainda quais seriam os exatos fatores de risco que justifiquem os danos causados em alguns pacientes não se replicarem em todos, mas ainda faltam informações sobre a forma de ação de cada uma das substâncias predisponentes às lesões. Entretanto, algumas condições pré-existentes são sabidamente relacionadas a uma predisposição maior ao dano tanto em intensidade quanto à persistência.
Esses fatores envolvem, basicamente, tudo que possa aumentar a concentração da droga em questão ou ainda a fragilidade do sistema auditivo e labiríntico previamente à exposição. São eles:
- Dose prescrita da medicação ou substância;
- Duração do tratamento;
- Insuficiência renal, pela dificuldade de depuração da substância do organismo;
- Associação de um ou mais fármaco ototóxico;
- Susceptibilidade genética
Em todo o mundo, no decorrer das pesquisas de desenvolvimento de aprovação e liberação de uma droga para uso populacional, o ouvido interno, anatômica e funcionalmente, não costuma ser avaliado. Sendo assim, muitas das medicações só se tornam sabidamente classificadas como danosas ao sistema auditivo ou vestibular após ter sido utilizada por grupo populacional. Hoje, conhecesse-se mais de uma centena de drogas assim classificadas, sendo as mais comuns:
- Alguns antibióticos da classe dos aminoglicosídeos (estreptomicina, gentamicina, amicacina, neomicina, entre outros.);
- Agentes antineoplásicos (quimioterápicos);
- Diuréticos de alça, a exemplo da furosemida;
- Salicilatos, em especial em alta dose
- Algumas preparações tópicas otológicas em caso de perfuração timpânica;
- Solventes (dissulfeto de carbono, tolueno, estireno e tricloroetileno) em exposições ocupacionais.
Há estudos ainda que buscam substâncias capazes de atuarem como quimioprotetores contra os aminoglicosídeos, uma dos principais ototóxicos considerando-se o risco e a indicação de uso. Algumas dessas substâncias seriam quelantes, antioxidantes, fosfomicinas, entre outros.
Assim como em boa parte das doenças, a melhor forma de evitar o dano reside na prevenção. Portanto, sempre que possível a utilização de medicações alternativas ou a não associação de drogas de risco deve ser levada em consideração. Esse cuidado deve ser intensificado ainda em pacientes que já possuam algum tipo de perda auditiva ou dano vestibular, com queixa de hipoacusia, tontura e/ou zumbido prévio, por exemplo.
Após essa leitura, fica evidente a extensão do assunto e a importância de buscarmos respostas e alternativas, mas dentre todas essas informações vale ressaltar os pontos de maior relevância acerca da ototoxicidade:
- Há remédios capazes de causar perda auditiva e lesão no sistema labiríntico;
- Os sintomas e danos podem ser transitórios ou de caráter permanente e irreversível;
- Ainda não há tratamento específico comprovadamente eficaz e a única medida formalmente recomendada é a suspensão da droga causadora sempre que isso seja possível
- Dentre os ototóxicos mais utilizados, há que se ter especial atenção aos aminoglicosídeos, quimioterápicos e doses elevadas dos salicilatos;
- Buscar sempre a menor dose e duração do tratamento possível.
