O sistema auditivo periférico formado pela orelha externa, média e interna, está localizado no osso temporal. A sua parte petrosa é o osso mais denso do corpo humano pois abriga estruturas nobres. Desta forma, encontra-se protegido de grandes intensidades de impacto. O mesmo acontece em relação às variações de pressão. Através da tuba auditiva, sistemas fechados como a orelha média e interna estão adaptados a equalizar a pressão. Porém, durante a prática de esportes como o mergulho, as variações de pressão podem suplantar os mecanismos adaptativos fisiológicos e gerar perda auditiva.
Barotrauma é o trauma gerado por alteração de pressão. Se não houver mecanismos equalizadores, a pressão exercida sobre o sistema auditivo pode gerar forças de compressão/expansão extremamente altas e capazes de causar danos auditivos ao atleta.
Adaptado de James H. Lynch – Barotrauma With Extreme Pressures in Sport: From Scuba to Skydiving
Associado a isso, quando a variação de pressão é muito rápida, o tempo para atingir o equilíbrio nos órgãos auditivos pode não ser suficiente e serão formadas bolhas, capazes de gerar lesão auditiva.
Os sistemas fechados estarão sob risco dos efeitos deletérios citados acima. A orelha externa se torna um compartimento fechado quando está obstruída por cerume, otite externa, exostoses ou mesmo quando submetida a alta pressão. Na orelha média, quando há obstrução nasal, otite média ou disfunção da tuba auditiva, a equalização falha e se forma um sistema fechado suscetível a forças de compressão/expansão. A orelha interna é considerada um compartimento fechado, pois é preenchida por líquido e não ar. Se ocorrer perturbação de pressão na orelha média, as forças de compressão/descompressão irão atingir a orelha interna através das janelas oval e/ou redonda causando danos auditivos graves.
Figura 3: Representação esquemática do caminho das forças de compressão/expansão transmitidas através da orelha interna, média e interna. Adaptado de Mallen et al.
Com o aumento de pressão atmosférica, a membrana timpânica irá retrair e se a equalização nas orelhas externa e média não for suficiente, esta pode perfurar gerando perda auditiva condutiva. Mesmo se o tímpano permanecer intacto, haverá extravasamento de fluido para dentro da orelha média pelo vácuo criado. Este vácuo, transferido para as membranas oval e redonda, poderá gerar ruptura destas. A janela oval é mais frequentemente acometida. Por consequência, as membranas do interior da cóclea (membrana de Reissner e membrana basilar) podem se romper.
O dano causado às estruturas cocleares pode levar a uma perda auditiva mista ou neurossensorial. A perda é geralmente maior nas frequências agudas. A perda pode ser parcialmente reversível com a cicatrização das estruturas e a reabsorção do sangue na orelha interna. A orelha interna se comunica com o líquido cefalorraquidiano através de uma estrutura denominada ducto endolinfático. Se esta alteração de pressão se transmitir, por exemplo, com a realização de Valsalva forçada pelo atleta, pode haver fístula perilinfática. Nesta condição as consequências auditivas são mais graves.
Mergulho com cilindro
Das lesões relacionadas ao mergulho, 80% são otorrinolaringológicas. Os sintomas são: otorréia (secreção através da orelha), membrana timpânica perfurada, hemotímpano (sangue na orelha média), dor de ouvido e perda de audição.
Contraindicações de mergulho relacionadas à audição:
Relativas | Absolutas | Crianças |
Disfunção de tuba auditiva* | Otite média com efusão ativa | Mastoidectomia radical – absoluta |
História pregressa de colesteatoma* | Otite média aguda | Sinusite crônica não controlada- absoluta |
Perda auditiva progresiva nos últimos 6 meses | Retração completa da membrana timpânica | Timpanoplastia – relativa* |
Surdez unilateral* | Otite externa aguda | Mergulho em mais de 10 metros de profundidade – absoluta |
Prótese auditivas ancoradas ao osso* | Estenose completa de conduto auditivo externo | Mergulho sozinho – absoluta |
Implantes cocleares* | Perfuração timpânica | |
Colesteatoma ativo | ||
Doença de Menière sem controle | ||
Rinossinusite crônica com ou sem polipose não-controlada |
*Tais contraindicações relativas devem ser esclarecidas com o Médico Otorrinolaringologista assistente do atleta
Prevenção: Atletas devem evitar voos pelo menos 12 horas antes de mergulho em menos de 10 metros e 24 horas antes de mergulhar a mais de 10 metros. Evitar exercícios extenuantes 4 horas antes do mergulho.
Logo antes do mergulho, devem começar as manobras de equalização da orelha média e devem fazê-las a cada meio metro de mudança de profundidade. As mais comuns são Valsalva (na qual o atleta tampa o nariz e faz esforço como se fosse assoar o nariz) e Toynbee. O uso de corticóides tópicos nasais é efetivo na prevenção se iniciado pelo menos duas semanas antes (CTC). O uso de descongestionantes é controverso. Neste caso, deve-se preferir os descongestionantes orais que parecem ser mais eficazes do que tópicos. Os anti-histamínicos devem ser evitados por seu efeito sedativo. É importante ressaltar que as manobras de equalização continuam sendo necessárias apesar do uso de qualquer medicação.
O tratamento consiste em descongestionantes orais e tópicos e analgésicos. Corticosteroides sistêmicos podem ser considerados em pacientes com perfuração. A membrana timpânica normalmente cicatriza em cerca de 2 meses sem precisar de cirurgia. No barotrauma do ouvido interno o tratamento também inclui repouso, elevação da cabeça e evitar manobras que aumentam as pressões do líquido cefalorraquidiano.
A perda da audição isolada nas frequências baixas e médias confere melhor prognóstico, embora sejam mais comuns as perdas nas frequências altas. O zumbido apresenta melhora variável, embora tende a melhorar entre 6 a 12 meses.
Retornar ao Mergulho: Para sintomas apenas dolorosos, os mergulhadores devem ser afastados por 7 dias. Para sintomas neurológicos, 30 dias. Para sintomas neurológicos graves, 3 meses. Para mergulhadores recreativos: 2 semanas para dor, 6 semanas para sintomas neurológicos leves e interrupção total do mergulho e avaliação médica para sintomas neurológicos graves.
Referências
- Edmonds C, Bennett M, Lippmann J, et al. Diving and Subaquatic Medicine. 5th ed. Boca Raton, FL: CRC Press; 2015.
- Mallen JR, Roberts DS. SCUBA Medicine for otolaryngologists: Part I. Diving into SCUBA physiology and injury prevention. Laryngoscope. 2020 Jan;130(1):52-58. doi: 10.1002/lary.27867. Epub 2019 Feb 18. PMID: 30776099.
- McAniff J. An analysis of recreational, technical and occupational populations and fatality rates in the United States, 1970-1994
- Mallen JR, Roberts DS. SCUBA Medicine for Otolaryngologists: Part II. Diagnostic, Treatment, and Dive Fitness Recommendations. Laryngoscope. 2020 Jan;130(1):59-64. doi: 10.1002/lary.27874. Epub 2019 Feb 18
- Bove AA, Davis JC. Bove and Davis’ Diving Medicine. Philadelphia, PA: W. B. Saunders; 2004.
- Jones JS, Sheffield W, White LJ, Bloom MA. A double-blind comparison between oral pseudoephedrine and topical oxymetazoline in the prevention of barotrauma during air travel. Am J Emerg Med 1998;16: 262–264
- Brubakk AO, Neuman TS. Bennett and Elliott’s Physiology and Medicine of Diving. Philadelphia, PA: Saunders Limited; 2003.
