Ouvir e escutar, uma grande diferença.

“O pior cego é aquele que não quer ver” é um ditado popular lindo que se aplica a essa capacidade que temos de perceber as coisas, captar, do ponto de vista sensorial, mas de alguma forma ignorar.

Sim, os órgãos do sentido captam o mundo em suas diferentes formas, mas nem tudo é absorvido, metabolizado e significado. Visão, audição, tato, paladar e olfato são as vias de entrada do mundo em nós. Essas captações acontecem incessantemente 24h, todas juntas e ao mesmo tempo.

Dentro de nós, pelos mais diferentes motivos, fazemos uma espécie de seleção do que de fato entra. Quais são os estímulos auditivos, visuais, táteis, olfativos e sinestésicos que serão internalizados e quais ficarão à margem, quase à deriva?

Podemos ouvir tudo. Mas o que será internalizado do que ouvi? Como esses estímulos auditivos de fala, transforma-se em um discurso e ganha significado dentro de mim?

Nós, ao longo da vida, desenvolvemos uma espécie de filtro de vivências que tem várias camadas. Tem a camada de filtragem sensorial: quais estímulos entram. Vou dar um exemplo: imagino que neste momento, quem está lendo este texto esteja sentado, em silêncio, em um ambiente relativamente tranquilo. Neste cenário estão em jogo: seu corpo sentado em uma cadeira e partes dele que tocam algumas superfícies (e que você nem está se dando conta). Um ruído se produz pela construção de um prédio ao lado, mas você não se incomoda e o neutraliza.  Sua boca ainda está com o gosto do café, mas você não coloca atenção nisso. Está com o foco nas redes relativas ao sistema visual, enxergando este texto e tentando produzir algum sentido a partir da leitura.

Aqui então falamos de uma segunda camada dessa filtragem, que se dá no sentido que imprimimos em cada vivência e que é absolutamente particular. O sentido que atribuímos a cada fala, a cada discurso que escutamos passa pelo crivo afetivo/linguístico/sensorial, em outras palavras, passa pelo filtro de como cada um nós interpreta um acontecimento.

Escutar é esse gesto de interpretar o que se ouve. É mais do que perceber, é sentir.

Cada um sente de um jeito aquilo que ouve, porque faz parte de uma incorporação de ideias, que se junta a outras ideias que já estavam lá quando essa nova ideia chega, fazendo assim, uma nova composição.

Escutar é uma capacidade exclusivamente humana, pois tem a ver com a condição de simbolização: atribuir a cada conjunto de estímulos sonoros uma ideia, uma imagem, um afeto.

Nessa medida, é possível sim ouvirmos muita coisa e escutarmos quase nada se não estivermos mentalmente ligados ao que está sendo dito, e isso não ter nada a ver com resultados positivos de uma audiometria.

Escutar é vincular-se, fazer ligações, interpretar, simbolizar, debruçar-se verdadeiramente diante algo e buscar sentido.

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