O quanto a saúde das nossas orelhas interfere na cognição?

Que o nosso funcionamento cognitivo é importante para efetuarmos tarefas do dia a dia e terá consequências, de uma forma geral, em todo o nosso desenvolvimento e desempenho como seres sociais e produtivos, isso já sabemos. 

Mas o quanto a audição pode interferir na nossa cognição? Ao longo dos últimos anos, houve uma mudança significativa no modo como concebemos as alterações auditivas, no sentido de olharmos para além da periferia, de olharmos para os processos auditivos centrais e, mais ainda, para os processos cognitivos.

Se fizermos uma busca básica em um famoso banco de dados de artigos científicos, fica claro o que estou falando. Há um número crescente de publicações que envolvem os temas audição e cognição.

Não que tudo que aprendemos sobre o funcionamento do sistema auditivo periférico perdeu seu valor. Aliás, temos mecanismos perfeitos de captação e condução do som que ocorrem nesta instância. Uma verdadeira engenharia montada. 

O fato é que hoje sabemos que essa engenharia perfeita, obra da natureza, extrapola o periférico. A perda de audição periférica significa déficit na entrada auditiva e, ao longo do tempo, tem repercussões no modo como o som é processado nas vias auditivas centrais. Sim, a famosa “plasticidade neuronal”. O sistema nervoso central busca a compensação para a privação sonora, com modificações nervosas que incluem até o recrutamento de outras modalidades sensoriais, como a visual e proprioceptiva.

Ok, e onde entra a cognição nessa história? Uma publicação relevante no tema foi o relatório da Comissão da revista The Lancet, mostrando a perda de audição não tratada na meia idade como o fator de risco mais importante para demência na senilidade, mais que traumatismo cranioencefálico, hipertensão, abuso no consumo de álcool e obesidade.

O bloqueio no acesso aos sons pela perda de audição pode causar alterações cognitivas uma vez que os processos cognitivos são menos estimulados. Com a audição prejudicada, o sujeito tem participação limitada em tarefas e atividades sociais, com impacto na relação interpessoal e situações comunicativas, fora a sobrecarga cognitiva para tentar ouvir em condições desafiadoras e suprir suas necessidades comunicativas. É comum o indivíduo se isolar.

Estas mudanças em seu ambiente, que se torna mais pobre em termos de entrada sonora, no acesso a fala e a linguagem, geram modificações na estrutura e funcionalidade do cérebro, com riscos para o desenvolvimento de alterações cognitivas.  

Assim, uma vez detectada uma perda auditiva, passando por uma avaliação médica e descartando a possibilidade de intervenção medicamentosa ou cirúrgica, o melhor caminho será o da reabilitação Audiológica. A importância da estimulação das vias auditivas vai além da terapêutica para a manutenção das habilidades comunicativas.

Referências:

Glick H, Sharma A. Cross-modal plasticity in developmental and age-related hearing loss: Clinical implications. Hear Res. 2017 Jan;343:191-201. doi: 10.1016/j.heares.2016.08.012. Epub 2016 Sep 6. PMID: 27613397; PMCID: PMC6590524.

Griffiths TD, Lad M, Kumar S, Holmes E, McMurray B, Maguire EA, Billig AJ, Sedley W. How Can Hearing Loss Cause Dementia? Neuron. 2020 Nov 11;108(3):401-412. doi: 10.1016/j.neuron.2020.08.003. Epub 2020 Aug 31. PMID: 32871106; PMCID: PMC7664986.

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