DISFUNÇÃO AUDITIVA NA TERCEIRA IDADE E COGNIÇÃO

Com o passar dos séculos, temos acompanhado uma elevação da expectativa de vida mundial. Mas não estamos apenas contando anos vividos, mas sim vivenciando um prolongamento do período economicamente ativo dessas pessoas que, a despeito de suas idades, mantém – e devem manter – sua vida social ativa nos âmbitos familiar, profissional e em comunidade. É algo verdadeiramente inspirador o quanto de vida tem se colocado dentro do tempo de cada um de nossos idosos. 

Desse modo, é nossa função enquanto equipe de saúde, dar subsídios para que todos os pacientes, independentemente de seus estágios de vida, possam desfrutar de suas melhores performances possíveis. Para tanto, é necessário deixar de lado de forma definitiva a máxima ultrapassada de que não há ou não se deve fazer algo para minimizar ou mesmo neutralizar o declínio de algumas funções orgânicas no decorrer do tempo. Aqui trataremos especificamente da audição e seus impactos na cognição dos pacientes idosos. 

Conforme já descrito na literatura médica, existe um claro impacto da perda auditiva na qualidade de vida dos idosos, comprometendo as relações sociais, saúde mental, habilidades motoras e mesmo o funcionamento de áreas específicas do córtex cerebral.1,2 Considerando, especificamente, a condição neurológica dos pacientes idosos, sabemos que a perda auditiva é considerada um fator de risco diretamente relacionado à prevalência de demência em variados graus entre os idosos.3,4 Esse fato se deve, em especial, à ausência de estímulo no sistema nervoso central, o que pode impactar significativamente na cognição do idoso. 

Segundo publicado recentemente no periódico The Lancet5, a estimativa é que até 2050 tenhamos cerca de 157 milhões de pessoas com o diagnóstico de demência no mundo, sendo que desse total, dois terços se concentrarão em países de baixa ou média renda,6 como o Brasil. Portanto, conhecer os fatores de risco e preveni-los é de suma importância na garantia de qualidade de vida dos nossos idosos.   Sabemos que a demência e os distúrbios da cognição são condições multifatoriais, os quais estão sob constante reavaliação e readequação quanto ao seu potencial de contribuição no declínio cognitivo. Dentre todos os inúmeros fatores de risco potencialmente modificáveis, como sedentarismo, baixa escolaridade, depressão, alcoolismo, é a perda auditiva que demonstra ter o papel mais relevante.5

“A cegueira separa as pessoas das coisas; enquanto que a surdez separa as pessoas das pessoas.˜ – Helen Keller-

Uma vez que a perda auditiva contribui para o declínio cognitivo e que, para muitos dos pacientes, essa queda será inevitável, como poderíamos evitar esse comprometimento? Inquestionavelmente, reabilitando a audição desde seus mais leves comprometimentos até os quadros de surdez severa. As próteses auditivas (AASI) são importantes ferramentas na melhora cognitiva dos pacientes acometidos por perda auditiva.7,8 Entretanto, boa parte dessa população idosa surda não apresentará ganhos com o AASI comum, tornando-se então, candidatos ao implante coclear. A idade, portanto, não é e não deve ser fator limitador para a indicação ao implante.9 

Cuidar da saúde auditiva dessa população e garantir melhores condições de desempenho cognitivo, melhorando suas relações pessoais e profissionais, é nossa obrigação enquanto profissionais de saúde e também como comunidade. Protegê-los da vulnerabilidade trazida pela perda da audição é, acima de tudo, um gesto de humanidade e demonstra que, em nenhuma idade, devemos ter descartados nossa autonomia, nossos sonhos e nossos gostos.

“A vulnerabilidade das coisas preciosas é bela porque a vulnerabilidade é um sinal de existência” – Simone Weil –

Bibliografia

  1. Cherko, M., L. Hickson, and M. Bhutta. 2016. “Auditory Deprivation and Health in the Elderly.” Maturitas 88: 52–57. 
  2. Sorrentino T., Donati G., Nassif N., Pasini  S., Zinis LOR. (2020) Cognitive function and quality of life in older adult patients with cochlear implants, International Journal of Audiology, 59:4, 316-322.
  3. Chin-Mei Liu, PhD; Charles Tzu-Chi Lee, Association of Hearing Loss With Dementia. AMA Network Open. 2019;2(7):e198112. doi:10.1001/jamanetworkopen.2019.8112
  4. LinFR, MetterEJ, O’BrienRJ, ResnickSM, ZondermanAB, FerrucciL. Hearing loss and incident dementia. Arch Neurol. 2011;68(2):214-220. 
  5. Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission.  
  6. Patterson C. World Alzheimer report 2018. London: Alzheimer’s Disease International, 2018.
  7. Amieva H, Ouvrard C, Meillon C, Rullier L, Dartigues JF.
    Death, depression, disability, and dementia associated with self-reported hearing problems: a 25-year study.
    J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2018; 73: 1383–89.
  8. Deal, JA. et al. Hearing impairment and cognitive decline: a pilot study conducted within the atherosclerosis risk in communities neurocognitive stydy. Am J Epidemiol. 2015; 181(9): 680-90.
  9. Wiemes G.R.M, Hamerschmidt R., \ Moreira A.T.R., Fraga R., Tenório S.B., Carvalho B. Auditory Nerve Recovery Function in Cochlear Implant Surgery with Local Anesthesia and Sedation versus General Anesthesia. Audiol Neurotol 2016;21:150–157

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