A audição é uma função sensorial importante para o desenvolvimento da linguagem e esta revela uma influência fundamental na comunicação oral e escrita (Terto, S. & Lemos, 2011). Ouvir vai além da simples detecção do sinal acústico, pois envolve circuitos de funcionamento neurais e sistemas cognitivos cruciais para decodificar, perceber, discriminar e analisar o som. A função auditiva tem um importante papel na análise e diferenciação do estímulo auditivo sejam eles não-verbais ou verbais de alta complexidade (Amaral, M. & Colella-Santos, 2010).
Um sistema auditivo íntegro garante que as competências ligadas à comunicação humana evoluam de modo a satisfazer as necessidades de interação com o meio, visto que, tanto em crianças como em adultos, a linguagem tem papel essencial para a comunicação (Vygotsky, 1989).
Importa dizer que comunicar obedece a códigos e é praticamente inevitável não estar em comunicação com o outro. Todos os atos humanos têm um valor comunicacional. A comunicação se baseia na identificação que temos com o outro e os sentimentos e responsabilidades que envolvem o ato de comunicar. Compreender o funcionamento da comunicação nos permite entender e sermos entendidos (A. Carvalho; C. Matos; C. Minderico, 2017).
O processamento auditivo (PA) refere-se a análise do som realizada na porção central da via auditiva, iniciada no primeiro núcleo sináptico, próximo à cóclea, até chegar ao córtex. Quando há um funcionamento inadequado em um ou mais núcleos do sistema nervoso auditivo central, podemos ter dificuldade em analisar o som, o que se configura numa possível defasagem nas habilidades auditivas de localização, atenção ao som, memória, figura-fundo, discriminação e análise acústica, denominado transtorno do Processamento Auditivo (American Academy of Audiology, 2010).
Ainda que uma pessoa tenha acuidade auditiva para detectar sons sutis, poderá manifestar dificuldades em perceber a fala em função de alterações nas vias que transmitem o som até o córtex auditivo (Braga, B., Pereira, L., Dias, 2015).
E como podemos identificar as manifestações comportamentais do transtorno do processamento auditivo central?
A presença de características como:
● ser facilmente distraído;
● respostas inadequadas;
● dificuldade em perceber a fala em ambientes ruidosos;
● dificuldades em seguir instruções predominantemente auditivas;
● dificuldades com as rimas ou músicas infantis;
● dificuldades no desenvolvimento da leitura e da escrita;
● pedidos frequentes da repetição (o quê?);
● dificuldades para perceber sarcasmo e piadas,
podem-nos dar indicação para procurar uma avaliação multidisciplinar do processamento auditivo.
O Transtorno do Processamento Auditivo (PPA) constitui uma disfunção significativa por trazer prejuízos à função auditiva, que segundo a classificação internacional de funcionalidade (CIF) é uma disfunção sensorial que dificulta sentir a presença de sons e discriminar os sons da fala, a localização, o timbre, a intensidade e a qualidade dos sons (OMS, 2004).
Indivíduos com transtorno do processamento auditivo podem ter incertezas no que respeita às informações auditivas e em ambientes acusticamente desfavoráveis, há um agravamento considerável na percepção da fala o que pode levar a falhas na compreensão de fala e no desenvolvimento da linguagem e académico (Jerger & Musiek, 2000).
O diagnóstico do transtorno do processamento auditivo é uma etapa fundamental na avaliação audiológica, sobretudo, em indivíduos com dificuldades na análise da informação auditiva que pode indicar lapsos no funcionamento do sistema nervoso central. A avaliação servirá de suporte ao audiologista na apreciação das habilidade auditivas que o indivíduo é capaz ou não de efetuar (Nunes, C. in Monteiro, L. & Subtil, 2016).
É recomendado que a avaliação diagnóstica do processamento auditivo seja realizada, preferencialmente, após os 7 anos de idade, devido à maturação neurológica do sistema nervoso auditivo central, contudo, um número crescente de especialistas têm vindo a propor, mais recentemente, a utilização de rastreios e checklists, em crianças mais novas, objetivando identificar o risco para o transtorno do processamento auditivo, de modo a fornecer recomendações de acompanhamento e desenvolvimento das habilidades auditivas. Tanto a American Speech-language-hearing Association (ASHA) como a American Academy of Audiology (AAA) apoiam essa iniciativa desde que o fonoaudiólogo seja cauteloso com as interpretações dos resultados (Lucker, 2015).
Questionários e escalas de comportamento auditivo podem fornecer uma referência para o transtorno do processamento auditivo em crianças menores de 7 anos. Essas ferramentas de avaliação são mais abrangentes e projetadas especificamente para as configurações familiares e escolares, sendo aconselhadas para uma abordagem colaborativa com pais e educadores (Zhanneta, 2016).
A utilização de um instrumento para o rastreio auditivo, que conta com testes de localização sonora, memória sequencial verbal e memória sequencial não verbal é denominada como uma avaliação simplificada do processamento auditivo. Pesquisas científicas, em que os três testes foram utilizados, mostram que há chances reais, em torno de 80%, para identificar um transtorno do processamento auditivo em crianças entre 4 e 6 anos de idade e de 50% em crianças maiores de 6 anos de idade. Outros estudos demonstram que há uma inclinação para associação dos resultados com queixas de dificuldade na leitura (C. Nunes, 2015).
O processamento ineficiente da informação sonora, pode gerar inibição do desenvolvimento de vocabulário, sintático, semântico e em última análise, académico visto que, tal transtorno é uma condição que dificulta o reconhecimento das diferenças sutis entre os sons da fala (American Academy of Audiology, 2010). De acordo com essa perspetiva, o processamento auditivo ineficaz pode, portanto, manifestar-se através de transtornos da comunicação ou dificuldades académicas (Auditory Processing Assessment, n.d.)
Programas de estimulação auditiva têm sido utilizados para desenvolver as habilidades do processamento auditivo, favorecendo o desenvolvimento e fortalecimento das habilidades auditivas, o que tende a colaborar para a otimização da linguagem oral e escrita (BSA, 2011).
O fonoaudiólogo é o profissional responsável pela intervenção com o transtorno do processamento auditivo. O treinamento auditivo investe na neuroplasticidade, e esta é a capacidade que o cérebro humano tem de se reorganizar, efetuando novas conexões neurais, ao longo da vida. Para além do treinamento auditivo, também são propostas estratégias de modificação ambiental e estratégias compensatórias.
Por fim, os programas de intervenção devem conter atividades estruturadas, sistemáticas e frequentes considerando a(s) queixa(s) apresentada(s), o histórico do caso e os resultados da avaliação multidisciplinar, por forma a trazer aumento para as habilidades perceptivas auditivas, bem como, dirimir as queixas sentidas na linguagem e na comunicação.

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Olá muito bom dia e feliz Domingo!
Chamo-me Ricardo Miranda e sou presidente da OUVIR – Associação Portuguesa de Portadores de Próteses e Implantes Auditivos (https://ouvir.pt) -, a principal associação em Portugal que representa e defende as pessoas com deficiência auditiva. Actualmente, a OUVIR está filiada na CNOD – Confederação Nacional das Organizações de Pessoas com Deficiência, e somos membros da European Federation of Hard Of Hearing People, bem como do Fórum Mundial da Audição da Organização Mundial de Saúde nas Nações Unidas.
Temos interesse no seu curriculum como profissional de saúde auditiva que tanto apreciamos, e gostaríamos de convidá-la a inscrever e pertencer à nossa associação na qualidade de sócia profissional, assim como convidá-la para futuros eventos ou iniciativas futuras.
Se quiser contactar-nos sem ser pelo blog, estamos nas nossas redes sociais, e o nosso email é ouvir.apppia@gmail.com .
Agradecemos imenso a sua atenção e consideração, e ficaremos a aguardar por um feedback à nossa mensagem.
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