Em um paciente que chega no nosso consultório com perda auditiva do tipo neurossensorial, além do exame de audição –audiometria e/ou BERA, é realizada uma investigação das causas prováveis de surdez para tentar definir o aspecto de progressão dessa perda, além do grau de perda auditiva, e a necessidade de reabilitação, principalmente de forma mais precoce nas crianças, porque o máximo estímulo e o tempo são essenciais para o desenvolvimento auditivo e de linguagem.
A surdez é mais comum de todas as doenças pesquisadas no teste de triagem neonatal (o “teste do pezinho”), tendo uma incidência 50 vezes maior que fenilcetonúria e 12 vezes maior que hipotireoidismo, por exemplo. É três vezes mais comum que a síndrome de Down, cromossomopatia mais prevalente. Precisamos ficar muito atentos ao desenvolvimento da linguagem!
São diversas as etiologias da surdez e, já ao nascimento, ela pode se diferenciar em surdez genética sindrômica com acometimento de outros sistemas como o cardíaco e o renal por exemplo, e as causas não sindrômicas, por defeito genético que só interferem na audição do paciente.
Há ainda a causa infecciosa congênita, adquirida ainda intra útero por vírus como citomegalovírus, Rubéola e protozoário da Sífilis, principais agentes, que são investigados durante o pré natal por meio de exames de sorologia, e que podem cursar com perda auditiva progressiva.
Ainda nos pós linguais – aqueles que já tem a fala desenvolvida, a infecção viral ou mesmo as otites bacterianas podem levar à danos intracocleares com lesão definitiva das células ciliadas causadas por toxinas bacterianas, meningites ou mesmo o uso de medicações para o tratamento das infecções podem ser ototóxicos ( tóxicos para as orelhas)- aminoglicosídeos principalmente e outros medicamentos de uso habitual em altas doses como Aspirina, diuréticos de alça e quimioterápicos como a cisplatina.
Cada vez mais, novos vírus vêm se mostrando com ação responsável por dano intra coclear, como podemos inferir atualmente durante a pandemia de Sars COV2 com a percepção na prática clínica do número crescente de casos de surdez súbita durante este período.
Falando sobre as doenças genéticas, estudos moleculares para perda auditiva hereditária analisam em média 150 genes, sendo que atualmente, há conhecimento de que aproximadamente 400 genes podem sofrer mutações que cursam com perda auditiva. Nas perdas não sindrômicas, que são as grandes responsáveis pela perda auditiva ao nascimento, há estimativas de que as doenças congênitas com perdas auditivas afetam aproximadamente 1 em 1.000 crianças.
Na herança autossômica recessiva, a pesquisa genética abrange alguns genes comuns como a mutação no gene GJB2 ( conexina 26), gene mais acometido em 80% dos casos. Outros tipos de disacusia que devem ser investigados são: Autossômica dominante, Herança ligada ao X, herança mitocondrial por pesquisa de mutação no gene A1555G, de origem materna e com história de exposição à antibióticos aminoglicosídeos. Pesquisas de mutação no gene OTOF devem ser desconfiados em casos de neuropatia auditiva com microfonismo coclear já nos resultados do exame de emissões otoacústicas.
Das heranças genéticas, aproximadamente 15 por cento são de caráter sindrômico. Enquanto mais de 400 síndromes diferentes envolvem algum grau de perda auditiva. Por isso, devemos conhecer algumas dessas principais síndromes para intervir de forma precoce não apenas sobre a reabilitação auditiva como na prevenção de danos a outros órgãos vitais.
Além da surdez genética, a investigação com exame de imagem é importante para descartar malformação da orelha interna como cóclea displásica ou aqueduto vestibular alargado nos casos de surdez progressiva. Quando pensamos nas causas de perda auditiva por dificuldade de condução do som, a investigação com exame de imagem se faz necessária para avaliar a integridade da cadeia ossicular e mesmo presença de ossificação, porosidade óssea com otospongiose ou deiscência de canais semicirculares.
Não podemos deixar de mencionar que para os pacientes pós linguais que apresentam deterioração da audição que não seja por presbiacusia, deve ser investigado na história clínica a exposição sonora diária no seu ambiente de trabalho, e mesmo a sua forma recreacional, como escutar música amplificada com fones de ouvidos e caixas acústicas, uso de armas de fogo, pois aos sons explosivos podem cursar com perda induzida pelo ruído ou a diferença brusca de pressão sonora pode cursar com barotrauma. Seu mecanismo pode ser não apenas pela ruptura do tímpano, mas por lesão intracoclear na vascularização e na membrana basilar da cóclea, morte intracelular por oxidação. Sabendo dessas possíveis causas, estudos avançam para a intervenção na detecção genética e atuação específica tentando modificar esses genes e regenerar essas células neurais mortas, por meio da terapia gênica e das células tronco. Saber o quão vasto é esse campo e quanto devemos caminhar nos incentiva a buscarmos por um futuro de restauração e não apenas no campo da reabilitação.
