No contexto do processo de reabilitação auditiva, é comum observar pacientes deficientes auditivos, usuários de aparelhos auditivos ou implante coclear, com a queixa “escuto, mas não entendo”. Sabe-se que, dependendo das características que variam entre tempo de privação auditiva, tipo e grau de perda auditiva e aceitação da deficiência auditiva, existem pacientes que, mesmo com uma boa seleção e adaptação dos dispositivos da audição (aparelhos auditivos, implante coclear) não conseguem obter uma compreensão de fala satisfatória, principalmente em situações de ruído competitivo.
O treinamento auditivo tem como objetivo minimizar as dificuldades de compreensão de fala e potencializar a identificação e a discriminação de padrões sonoros, diminuindo os déficits funcionais da comunicação.
Um dos princípios do treinamento auditivo é desenvolver a plasticidade neural, que é a capacidade do cérebro em se modificar conforme à uma estimulação intensa. As melhoras comportamentais observadas após o treinamento estão relacionadas ao aumento da sincronia neural (Souza, et.al., 2020) aprimorando, consequentemente, o desempenho auditivo e permitindo que o paciente possa ressignificar os sons que escuta (Megale, Iorio e Schochat,2010).
Pensando nesse público que necessita primordialmente da estimulação auditiva para o desenvolvimento e aprimoramento das habilidades auditivas, seguem algumas estratégias auditivas para realizar o treino sozinho(a).
Vale ressaltar que essas dicas não substituem o trabalho do profissional fonoaudiólogo, e que a intervenção fonoaudiológica é essencial para o desenvolvimento e aprimoramento do desempenho auditivo com (ou sem) o uso do dispositivo auditivo. Pois é papel do fonoaudiólogo, reabilitar o paciente na sua totalidade, orientá-lo, aconselhá-lo e ensiná-lo estratégias de comunicação (Freire, 2011).
Pretende-se aqui, apenas compartilhar estratégias simples em busca da otimização dos quadros em que há queixa auditiva.
Como toda prática, quanto maior o número de repetições melhores serão os resultados.
Abaixo seguem algumas estratégias de estimulação auditiva:
- Música – é uma ótima estratégia de estimulação auditiva, pois devido aos seus aspectos psicoacústicos, como a flutuação entre as frequências, intensidade, timbre, regularidade rítmica e melodia, a ativação de várias áreas do cérebro são realizadas. O indivíduo em casa poderá reforçar o seu treinamento auditivo experienciando ouvir a mesma música várias vezes durante alguns dias da semana. A escolha da música é muito importante, inicialmente poderá ser uma música com ritmo mais lento, com apresentação de poucos instrumentos no seu arranjo. A prática consiste em, primeiramente, somente ouvir com atenção, depois ouvir novamente pausando a música a cada verso e transcrever as palavras que conseguiu entender da letra da música. Realizar esta atividade várias vezes durante a semana e ir percebendo que a cada prática o número de trechos reconhecidos vão aumentando.
- Leitura de livros. Atualmente há diversos aplicativos que realizam leitura de livros digitais. A estratégia consiste em acompanhar a leitura do texto enquanto se escuta o áudio da leitura. Entre alguns aplicativos gratuitos e pagos temos Natural reader, SayIt, Adobe reader DC.
- Leitura de letras de músicas. Ouvir a música e acompanhar a letra. Para essa atividade poderá pesquisar a música desejada no site letras.mus.br que permite ouvir a música e ter acesso a legenda enquanto toca. Essa estratégia também pode ser realizada em alguns aplicativos de música, como Spotify e Deezer.
- Escute os sons da “casa”. Pratique o reconhecimento dos sons começando com os sons presentes no ambiente domiciliar. Em um lugar da casa, feche os olhos por alguns minutos e se concentre nos sons daquele ambiente. Analise as características dos sons e tente identificar a fonte sonora. Exemplo: ouviu um som na cozinha, antes de visualizar ou se informar sobre a fonte sonora, se esforce em identificar o que pode estar gerando aquele som, analisando suas características e tentando discriminar(exemplo: batida de porta, torneira aberta, louça batendo etc.).
- Uso de aplicativos e sites com exercícios que objetivam melhorar as habilidades auditivas:
- SISTHA é um portal da web totalmente gratuito, criado por profissionais da fonoaudiologia e da informática, que pode ser usado no computador, celular e tablet. A plataforma possui diferentes atividades de práticas auditivas com níveis de dificuldade e estratégias diversas com áudios realísticos e de situações cotidianas.
- App Cocleando: é gratuito. Recomendado para crianças de 6 a 12 anos de idade, disponível para IOS e Android. Apresenta jogos distribuídos em 4 categorias: detecção, discriminação, identificação e compreensão auditiva.
- Afinando o cérebro é um portal da web que apresenta exercícios auditivos e visuais que estimulam as habilidades auditivas, atenção, concentração, memória entre outras habilidades. No entanto, trata-se de uma plataforma com diversos planos de pagamentos.
- Treinamento auditivo musical (TAM), este está disponível totalmente online e foi idealizado para ajudar as pessoas com alterações das habilidades auditivas centrais, podendo ser acessado pelo próprio indivíduo para continuidade dos treinos em casa conforme instruções do seu fonoaudiólogo.
É importante ratificar que as estratégias aqui apresentadas são um apoio coadjuvante nos treinos das habilidades auditivas e não substituem o acompanhamento fonoaudiológico especializado em reabilitação auditiva.

Referências:
– Freire, K.G.M., Reabilitação de deficientes auditivos adultos: Tratado de audiologia. São Paulo: Santos, 2011.
– Megale RL, Iorio MCM, Schochat, E. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos usuários de prótese auditiva. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(2):101-6.
– Souza, et. al.; Estudo da plasticidade neural em adultos e idosos novos usuários de aparelho de amplificação sonora individual. Rev.CEFAC. 2020;22(5):e3420.
– Beier, L.O.; Pedroso, F.; Costa-Ferreira, M.I.D. Benefícios do treinamento auditivo em usuários de aparelhos de amplificação sonora individual – revisão sistemática. Rev.CEFAC. 2015, jul-ago:17(4):1327-1332.
– Pisa, I.T.; Softwares de treinamento auditivo para adultos e idosos usuários de aparelho auditivo. XIII Congresso brasileiro em informática em saúde – CBIS 2012.