Surdez: do diagnóstico às minhas descobertas pessoais e profissionais

Sobre mim

Meu nome é Giovanna Borges Rodrigues, sou de Araguari-MG, tenho 23 anos, nasci com perda auditiva profunda bilateral e meus pais não sabiam que eu tinha este problema. Até que no momento em que eu tinha seis meses de idade, eles começaram a perceber que eu não escutava bem e imediatamente a minha mãe procurou um pediatra e em seguida um otorrinolaringologista. Só que realmente foram constatar quando eu tinha um ano de idade, por meio do exame BERA.

Em seguida, meus pais procuraram ajuda no Centrinho, localizado em Bauru-SP, onde faço o tratamento e acompanhamento até hoje, indo de 6 em 6 meses ou de 1 em 1 ano. Lá me deram aparelhos de amplificação sonora individual – AASI, usei-os bilateralmente e me desenvolvi muito bem. Fui muito estimulada pela fonoaudióloga quando criança, confesso que eu não gostava de frequentar de 2 a 3 vezes por semana, porém entendia a importância para poder melhorar tanto no estímulo auditivo quanto no estímulo da fala. Também tive ajuda dos meus pais e logo aprendi a falar. Frequentei a escola regular desde bebê, sem necessidade de educação especial.

Atualmente, estou quase finalizando a graduação em Fisioterapia e essa é uma das conquistas no qual sempre almejei, ter um diploma de ensino superior. Mas, o meu maior sonho da vida é fazer a diferença na vida das pessoas, fazer o bem e tentar ajudar todos da melhor forma possível de uma forma humanizada.

O BULLYING

Acredito que nenhuma pessoa surda teve uma vida fácil, pois neste país há tantas discriminações e uma delas é o preconceito com a comunidade surda e deficiente auditiva. Passei pela infeliz experiência de sofrer bullying no ensino fundamental, na qual era a única surda da escola. Me chamavam de estranha, esquisita e de surda com o intuito de ofender. Em consequência disso, acabei ficando afetada psicologicamente e não contava para os meus pais o que acontecia ou que eu sentia, também não contava para a coordenação da escola. Deixava, apenas, as pessoas falarem o que quisessem de mim.

Já no ensino médio, as pessoas eram mais maduras. Porém, dessa vez quem debochava da minha situação era um professor que não sabia lidar com algo simples, como ficar na minha frente para eu poder fazer leitura labial. Quando avisei no meio da aula que não estava conseguindo escutar bem o que estava falando, ele estava no fundo da sala e veio em minha direção e virou a minha mesa para eu ficar de frente para a dele. Foi uma situação tão desconfortável que não sabia como reagir, apenas fiquei quieta na sala, porém são lembranças ruins que nunca me esqueço. 

Na faculdade, estava no quarto ano, já implantada e ainda me readaptando, porque era nova forma de ensino, novos professores e nova turma. Nesta fase, todos me ajudaram conforme puderam e foi tudo tranquilo. 

Chegou a pandemia, chegou a ansiedade, chegou a tristeza e angústia. As aulas on-line não funcionaram pra mim, não consegui entender e muito menos prestar atenção. Alguns professores não ligavam a câmera porque não conseguiam ou porque não queriam, sendo que eu precisava de leitura labial pois o som do computador era totalmente diferente do que uma voz não digitalizada. 

Chegou época de estágio obrigatório, outras crises de ansiedade surgindo pois ainda era obrigatório todos usarem máscaras durante o atendimento de pacientes. Não conseguia entender muito bem a galera, mas todos me ajudaram na comunicação e a maioria tiraram máscara pra eu poder fazer leitura labial. Às vezes me incomodava ter que pedir pra tirar, e faziam apenas quando conseguiam. Eu entendo os riscos de pegar o COVID-19, sentia medo o tempo todo.

Contudo, principalmente no Ensino Fundamental, eu me arrependo de não ter buscado ajuda psicológica, de me abrir com meus pais em relação a isso, de não ter sido sincera com meus sentimentos, pois demorei anos para me aceitar e ainda estou construindo a autoconfiança. Mas, ao mesmo tempo, meus pais e meus irmãos sempre me deram apoio. Minha família é o meu ponto de paz.

RECOMEÇO

Voltando ao tempo, aos 14 anos de idade, recebi a proposta da equipe multiprofissional do Centrinho para realizar a cirurgia do Implante Coclear. Estava muito incerta em relação a isso, tinha medo de não dar certo, de não conseguir me adaptar, pois era uma cirurgia da qual eu não tinha conhecimento. Junto com meus pais, conversamos bastante e eles me disseram que me apoiariam independente da minha decisão. 

Foi difícil decidir, até que um dia conversei com uma garota de 20 anos implantada no Centrinho, ela foi a única que me fez tomar a decisão. Me inspirei na história dela e fiquei animada em vê-la falar como estava com o Implante Coclear, o quão melhorou a qualidade de vida, entre outros aspectos. 

A cirurgia ocorreu com 100% de sucesso no ouvido esquerdo, ativei o meu Implante Coclear em agosto de 2014. Confesso que no começo eu não gostei do som ao ativar, pois era tão diferente do que costumava escutar com o AASI. Fiquei decepcionada, mas eu entendia que tinha que me adaptar primeiro, ir na fonoaudióloga para treinar e estimular a audição, repetir as frases sem fazer leitura labial, etc. 

Sempre digo que foi um recomeço da minha vida, porque foi uma das melhores decisões que já tomei, a qualidade de vida, a forma de escutar e a forma de conviver mudaram totalmente. 

Quando completei cerca de 4 meses implantada, ainda estava na fase de adaptação e iria começar o Ensino Médio. Como já disse, enfrentei bastante dificuldades, não entendia muito bem o que os professores falavam e alguns não sabiam como lidar com a minha situação, mesmo pedindo para eles ficarem na minha frente para eu poder fazer leitura labial, por isso precisei fazer prova de recuperação de várias matérias pela primeira vez. A partir daí, desenvolvi crise de ansiedade, tive novas amizades, novas adaptações com a descoberta de sons diferentes e houve a descoberta da minha bissexualidade. Tudo isso ao mesmo tempo, um processo tão longo ainda no primeiro ano do Ensino Médio e o processo de auto aceitação foi bastante difícil.

VIDA AMOROSA E VIDA SOCIAL 

Muitos têm a curiosidade de como é a vida amorosa e social da comunidade surda e deficientes auditivos. Já vi relatos dos PCDs casados ou comprometidos dizendo que os ouvintes têm que ter muita paciência com uma pessoa que não escuta bem, pois sempre há uma dificuldade e luta. Requer parceria, companheirismo e muito amor, porém nem todos possuem essas características e acabam tendo uma relação frustrada.

Alguns não tem uma relação ou nunca namoraram na vida, me encaixo nesse “grupo”. Por falta de oportunidade? Por falta de reciprocidade? Por que não é o momento certo? Ou por que não são as pessoas certas? Eis as questões.

Sempre mantive a minha vida amorosa discreta, minha timidez fala mais alto. Com a vida de solteira, flerto com algumas pessoas, tomo uma atitude, levo fora, entre outros, assim como todos. Confesso que já me apaixonei por duas pessoas em épocas diferentes, fui sincera com  meus sentimentos e acabei levando fora por falta de reciprocidade. Acontece, segui em frente.

Já na vida social, sempre aproveitei do meu jeito, encontrando com amigos tudo é tranquilo e normal. Mas às vezes, em um lugar escuro ou barulhento, não consigo entender a pessoa falando comigo e sempre peço pra irmos em um lugar iluminado para eu poder fazer leitura labial ou escreverem no celular para poder ler depois. Sempre dou um jeito de me comunicar e aproveitar os momentos.

A minha vida sempre teve altos e baixos, porém com muita luta e dedicação e tendo o apoio principalmente da minha família. Sem eles, eu não seria o que sou hoje, não teria conquistado os meus sonhos, não teria uma boa qualidade de vida e não escutaria bem. Tudo que conquistei, dedico à eles. 

Escrevi tão abertamente este artigo, que sinto orgulho da minha trajetória.

Obrigada por lerem até aqui!

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