O Relatório Mundial sobre Audição, publicado em 2021 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), indica que mais de 1,5 bilhão de pessoas passam por algum declínio em sua capacidade auditiva, a diminuição na audição que não é considerada deficiência, mas que pode evoluir com o tempo, durante a vida e, deste total, ao menos 430 milhões precisarão de cuidados especializados. A estimativa é que, até 2050, o número de pessoas com algum comprometimento auditivo chegue a 2,5 bilhões em todo o mundo.
A perda auditiva pode ser ocasionada por diversos fatores, entre eles os pré-natais, como herança genética, malformações da orelha interna, infecções congênitas pelo vírus da rubéola, citomegalovírus, herpes, toxoplasmose e sífilis; as perinatais, como anóxia, prematuridade, hiperbilirrubinemia, traumatismo craniano e trauma acústico; e pós-natais, entre elas causas metabólicas, como hipotireoidismo e diabetes, infecções virais como rubéola, varicela-zoster, influenza, caxumba, citomegalovírus, meningite bacteriana, encefalite e otite média crônica. A perda auditiva pode, também, ser advinda da exposição excessiva a ruídos e múltiplos fatores que atuam sobre o ouvido interno ao longo da vida.
A audição é extremamente importante para a aquisição da comunicação oral. A integridade anatômica e funcional do sistema auditivo periférico e central e a exposição às experiências auditivas constituem pré-requisitos para a aquisição e desenvolvimento da linguagem. Sendo assim, a presença de uma deficiência auditiva compromete negativamente o processo de aprendizagem, sociabilidade e comunicação da criança. Nas crianças e adolescentes podem ser observados comprometimentos linguísticos, educacionais e psicossociais. Nos adultos e idosos, geralmente se observa isolamento, com restrições de participação na vida social e familiar. A perda auditiva ainda pode estar associada ao declínio cognitivo, depressão e redução do estado funcional.
Portanto, o diagnóstico e a reabilitação da deficiência auditiva deveriam ser feitos de forma precoce, tanto nas crianças quanto nos indivíduos em outras fases da vida. Assim, a triagem auditiva deveria ser um procedimento usual em escolas, hospitais, postos de saúde, clínicas e no próprio domicílio, para testagem de forma rápida, simples e barata de um número elevado de indivíduos, assim teríamos o diagnóstico precoce e os encaminhamentos necessários e as consequências da privação auditiva poderiam ser evitadas.
Para avaliar a audição existem exames que podem ser aplicados nas diferentes fases da vida.

A Triagem Auditiva Neonatal (TANU) é um direito do recém-nascido, garantido pela Lei Federal nº 12.303 desde 2010. A TANU deve ser realizada em todos os recém-nascidos para a identificação daqueles com grande possibilidade de terem nascido com uma deficiência auditiva. O diagnóstico e o início do tratamento da deficiência auditiva devem ocorrer, no máximo até o terceiro mês de vida da criança, devido à grande plasticidade do sistema nervoso central nessa fase da vida.
As técnicas recomendadas atualmente são procedimentos eletrofisiológicos e eletroacústicos, conhecidos como o registro das Emissões Otoacústicas Evocadas e o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico, considerados testes sensíveis e específicos para identificar as perdas auditivas mais importantes, que podem afetar o desenvolvimento da linguagem e psicossocial das crianças. Um desses testes é conhecido como o “Teste da Orelhinha”, em que a criança deve estar quieta, calma e, preferencialmente dormindo e deve ser realizada por profissional habilitado. Lembrando que fonoaudiólogos e médicos são os únicos profissionais habilitados para realizar esse procedimento. Se o “Teste da Orelhinha” mostrar resultado alterado, a criança deve realizar reteste dentro de 15 a 30 dias e se a alteração persistir, deve ser encaminhada imediatamente a um serviço de Saúde Auditiva para confirmação ou exclusão da perda auditiva.
Em crianças, comportamentos associados à desatenção, atraso na aquisição da fala, baixo desempenho escolar e dificuldades no aprendizado também podem indicar a existência de algum problema auditivo, por isso, mesmo que a criança tenha “passado” na Triagem Auditiva Neonatal, os pais, professores, e profissionais de saúde e educação devem estar atentos a esses fatores. A Triagem Auditiva Escolar (TAE) que ainda não faz parte da rotina escolar da maioria das escolas brasileiras, poderia contribuir para o diagnóstico precoce da perda auditiva na infância.
Para crianças e adolescentes existem diversos testes subjetivos e objetivos que podem ser realizados em cada fase, como questionários que podem ser aplicados com os pais e responsáveis que caracterizam o comportamento auditivo da criança, além de audiometria tonal, vocal e audiometria infantil (observação do comportamento auditivo para sons calibrados, audiometria lúdica condicionada, audiometria de reforço visual), indicados para avaliar os limiares de detecção auditiva e o reconhecimento de fala. As medidas de imitância acústica, avaliação eletrofisiológica da audição e avaliação do processamento auditivo central, são testes que podem ser aplicados de acordo com cada fase da vida infantil.


No caso dos jovens e adultos, as causas da perda auditiva podem estar relacionadas à exposição a níveis elevados de pressão sonora como os hábitos recreacionais, como o uso de fones de ouvido com volume aumentado por tempo prolongado e o ruído ocupacional. Perdas auditivas de origem metabólica, principalmente em pessoas com diabetes, além de outras doenças infecciosas, como a meningite e a caxumba podem ocorrer ao longo da vida. Nessa fase da vida a audiometria tonal e vocal, são os testes recomendados, por serem rápidos, indolores e confiáveis, porém, mesmo nessa fase outros testes podem ser necessários de acordo com a queixa do avaliado. As medidas de imitância acústica para avaliar a mobilidade da membrana timpânica e a integridade do sistema tímpano ossicular e da via do reflexo estapédio ou acústico, são de grande importância, assim como as emissões otoacústicas, para a monitorização de ototoxidade (seja ela decorrente de uma doença, de um tratamento ou mesmo devido à exposição ao ruído), além de auxiliar na diferenciação entre alterações auditivas cocleares e retrococleares.
O Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico – PEATE, também conhecido como BERA, é um exame, que auxilia no diagnóstico topográfico de lesões auditivas, na pesquisa objetiva dos limiares auditivos de pacientes que por alguma razão não podem ou não conseguem fazer uma audiometria tonal limiar, para a checagem dos limiares psicoacústicos em otologia ocupacional e surdez psicogênica. Com o PEATE podemos obter, diagnóstico diferencial de doenças otológicas, e portanto, é uma avaliação necessária em diversas fases da vida.
No caso dos idosos, a principal causa da perda auditiva é presbiacusia, perda auditiva decorrente do envelhecimento. Os idosos costumam demorar a procurar o médico para fazer o diagnóstico deste tipo de a perda auditiva e, frequentemente, fazem a partir da queixa de seus familiares. A aceleração do declínio cognitivo em idosos, como alteração de atenção e memória, podem ser decorrentes da perda de audição não tratada. Outro fator importante é a relação da perda auditiva não tratada e os índices de depressão nessa idade, grande parte devido ao isolamento social e comunicativo ocasionado pela limitação sensorial auditiva.
Diante da dificuldade de ouvir ou de entender a fala, deve-se procurar um otorrinolaringologista e realizar os exames audiológicos com um fonoaudiólogo. Caso seja confirmado o diagnóstico de perda auditiva (permanente ou não), o tratamento indicado deve ser realizado o quanto antes.

No caso das perdas auditivas permanentes, a adaptação de aparelhos de amplificação sonora individual (AASI) ou, em alguns casos, o implante coclear ou as próteses auditivas ancoradas no osso podem ser indicados, otimizando a audição e minimizando os impactos na qualidade de vida da pessoa com a perda auditiva.
Diversos exames diagnósticos complementares podem ser indicados para avaliar a função auditiva e a função vestibular de acordo com a idade e queixa, exames comportamentais, eletrofisiológicos, exames laboratoriais, exames de imagem podem ser necessários para identificar uma alteração auditiva. O acompanhamento anual com otorrinolaringologista (ou com menor periodicidade de acordo com a indicação médica) e avaliação com profissional fonoaudiólogo é de grande importância e deve ser considerado pela população em geral e em todas fases da vida.

Bibliografia
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