A concepção de que o ruído é um agente prejudicial à saúde auditiva para nós humanos é antiga, e remonta, desde os tempos do médico italiano Bernardino Ramazzini (1633- 1714). Consagrado como pai da Medicina do Trabalho, dedicou suas pesquisas ao estudo das doenças que atingiam o trabalhador e escreveu suas constatações em um manuscrito notável, chamado ‘’De Morbis Artificum Diatriba” (em tradução livre ‘’As Doenças do Trabalhadores’’). Um dos capítulos do manuscrito trata do que conhecemos hoje como Perda Auditiva Induzida por Níveis de Pressão Sonora Elevados com observações algumas sobre a doença: prejuízo na comunicação, zumbido e até mesmo o estresse, associando tal patologia aos ferreiros da época que ficavam expostos à níveis ruídos intensos a ponto de provocar uma perda auditiva.
Antes de entendermos o que o ruído causa no corpo humano, vamos entender o que é o ‘’ruído’’. Por definição, trata-se de uma sobreposição de ondas sonoras. Mas o conceito de ruído também tem uma definição subjetiva: o ruído é um som que incomoda, portanto, uma mesma sobreposição de ondas sonoras que pode incomodar uma pessoa, pode ser insignificante para outra. Ao que parece, no dia a dia, o ser humano acostumou-se com o ruído.
Dos tempos de Bernardino Ramazzini até os dias atuais, o conhecimento foi evoluindo em conjunto com a ciência e estamos cada vez mais esclarecidos quanto aos efeitos nocivos do ruído não somente na audição, mas no corpo humano como um todo!
Em um mundo que se atualiza tão depressa, não refletimos que as atualizações emitem ruídos, por exemplo: o lançamento de um novo dispositivo de escuta individual com mais potência, e cada vez em menor tamanho; o novo brinquedo que emite sons dos mais variados; mais carros circulando deixando o tráfego mais intenso; mais fábricas com trabalhadores à pleno vapor… O que nos mostra que o ruído está cada vez mais próximo de nós e,não nos demos conta!
Afinal, quais os efeitos do ruído no organismo humano? Aqui, iremos separar os efeitos didaticamente em efeitos auditivos e efeitos extrauditivos. Remontando à Bernardino Ramazzini, os efeitos auditivos do ruído na audição humana são: percepção distorcida de alguns fonemas (menores unidades sonoras das palavras) que pode levar a prejuízos na comunicação, zumbido temporário ou permanente, intolerância a sons, diminuição da performance no trabalho e nas atividades de comunicação do dia a dia. É importante deixar claro, que para que a orelha humana adoeça devido ao ruído, é necessário que a exposição aconteça em uma determinada intensidade que é medida por meio dos decibéis (dB), e em uma determinada faixa de tempo. O que quer dizer que quanto maior a intensidade do ruído, menor o tempo de exposição permitida.
Esse conceito trata especificamente do ruído cuja fonte são os maquinários das empresas. Mas também é válido para os fones de ouvido, por exemplo. Um fone de ouvido pode chegar a emitir 100dB de intensidade. Para essa intensidade, o tempo permitido de exposição é de apenas uma hora! Se uma pessoa tem por hábito ouvir por meio de seus fones de ouvido na intensidade de 100dB durante o percurso de ida e volta para casa, no qual gasta duas horas, o risco de que ela desenvolva uma Perda Auditiva Induzida por Níveis de Pressão Sonora Elevados é real.
Para citar os efeitos extrauditivos, ou seja, para além da audição, precisamos entender o que o ruído pode ser absorvido pelo organismo humano prejudicando seu funcionamento em termos de liberação de hormônios relacionados à regulação dos níveis de estresse, do sono e de funções cardiovasculares. Isso acontece devido ao fato do organismo humano entender o ruído como um sinal para permanecer em alerta! Portanto, o ruído tem efeitos negativos comprovados sendo uma possível fonte causadora de ansiedade, insônia, hipertensão arterial, aumento dos níveis de colesterol no sangue, dentre outros. Ainda não temos dados tão precisos em relação ao nível de ruído e tempo de exposição capazes de provocar efeitos extrauditivos ao organismo. O que se sabe é que, geralmente, os ruídos de baixa intensidade, ou ruídos em tons graves, são os que comumente provocam tal alteração. Para ilustrar, em decibéis, acredita-se tratar por volta de 65dB, intensidade equivalente à uma conversa em intensidade normalmente razoável.
Diante dos efeitos citados tanto auditivos, quanto extrauditivos, o que fazer com a poluição sonora? Não precisamos deixar de conviver em sociedade; precisamos observar melhor o mundo ao nosso redor!
Atitudes simples como diminuir a intensidade de volume dos fones de ouvido conforme recomendação do próprio dispositivo, evitar ficar próximo às fontes sonoras em shows e locais fechados, adotar o hábito de deixar a casa em silêncio por algumas horas do dia, além de cuidar da saúde de uma forma geral. Os cuidados são redobrados para quem trabalha exposto à ruído, sendo recomendado o uso de protetores auditivos e checagem anual da audição, ou conforme prazo determinado pela empresa.
Tais atitudes contribuem para o bem estar e para a diminuição dos efeitos do ruído. Além disso, precisamos adotar a cultura de fazer um ‘’check up Auditivo’’. É importante submeter-se periodicamente aos exames audiológicos com profissionais capacitados, visando mensurar a qualidade da audição e prevenindo assim, perdas auditivas. No caso de detecção de perdas auditivas, é possível realizar intervenção da forma mais precoce possível. Basta procurar um fonoaudiólogo ou médico otorrinolaringologista que são profissionais especializados em cuidar da audição que estão sempre dispostos a ajudar.
A Organização das Nações Unidas (ONU), no Relatório Mundial Sobre Audição da OMS (2021), estima que em 2050 cerca de 2,5 bilhões de pessoas podem ter alguma perda auditiva. Dentre as diversas causas relacionadas pelo relatório, está o ruído. Espera-se com a leitura deste artigo que a percepção do ruído e a prevenção de possíveis danos seja otimizada!

REFERÊNCIAS
Ramazzini, Bernardino. As Doenças do Trabalhadores. 4ª edição. São Paulo: Fundacentro, 2016
Ministério do Trabalho. Norma Regulamentadora nº 15 Atividades e Operações Insalubres. Portaria MTb nº 3.214. Brasília: 8 de junho de 1978
Goines, Lisa. Hagler, Louis. Noise Pollution: a Modern Plague. Soutliern Medical Jornal Volume 100, Número 3, páginas 287 a 294, Março 2007
Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial Sobre a Audição. Organização das Nações Unidas: 2021