Implante Coclear e tontura

Pacientes com implante coclear (IC) podem sim ter tontura, sabia?

A associação entre as vias auditiva e vestibular já está bem estabelecida. Estudos eletrofisiológicos histológicos, técnicas de imagem, dissecção de osso temporal e microscopia eletrônica comprovam a existência de cruzamento de fibras das vias auditiva e vestibular no final do conduto auditivo interno. Portanto, o IC tem influência não apenas na audição, mas também no equilíbrio corporal. 

Claro, que nem todo paciente submetido ao implante coclear terá tontura. E porque? Porque para que o paciente apresente esse sintoma decorrente ao IC também entram em jogo: fatores anatômicos, predisposições individuais ao padrão de estímulo produzido pelo IC e a plasticidade do sistema neurológico de cada pessoa. 

Quando analisamos a literatura observamos que  não há consenso quanto aos efeitos do implante coclear (IC) na função vestibular e no equilíbrio em pacientes com surdez, tanto a curto quanto a longo prazo.

Com base nessas informações realizamos um  estudo, com 24 pacientes atendidos no grupo de IC do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, com o objetivo de avaliar a função vestibular antes e após o IC em pacientes adultos, com surdez pós-lingual, e observar a influência de novos estímulos auditivos na manutenção da postura.

A importância de documentar a função vestibular antes da cirurgia de IC reside em 3 aspectos principais: detecção de função vestibular ausente,  avaliação de potencial comprometimento vestibular pós-operatório e prognóstico em relação ao equilíbrio corporal.

Os pacientes foram avaliados antes do IC e ao longo de 1 ano após a cirurgia de IC, através de prova calórica, cadeira rotatória e posturografia dinâmica computadorizada. 

Em nossa casuística, 20,8% dos pacientes relataram tontura no pós-operatório imediato. No entanto, a tontura se resolveu dentro de um mês após o IC. Ou seja, embora a tontura seja considerada uma complicação menor da cirurgia de IC, não houve persistência desse sintoma. 

Além do procedimento cirúrgico em si levando a tontura, alguns pacientes também podem apresentar tontura após a ativação e durante as programações do IC. Nesses casos, é fundamental informar a equipe de fonoaudiologia. 

Geralmente, a resolução do sintoma consiste em entrar com a estimulação auditiva aos poucos. Lembrando que o IC pode não só estimular eletricamente o nervo vestibular como levar a danos do sistema vestibular decorrente a trauma cirúrgico. Por isso, a importância dos procedimentos cirúrgicos serem minimamente invasivos. Felizmente essa já é uma técnica cirúrgica empregada correntemente, hoje em dia.

A presença ou ausência de função vestibular, antes da cirurgia de IC, é um determinante decisivo em relação a melhora do equilíbrio pós IC. Pacientes com função vestibular presente, mesmo que reduzida pré IC, tiveram uma maior melhora do equilíbrio corporal pós IC em relação aos pacientes que apresentavam função vestibular ausente pré IC. O IC tem sim, impacto na função vestibular, a longo prazo e de forma positiva, ou seja, melhorando o equilíbrio corporal. Embora a curto prazo possa haver uma redução da função vestibular, que na maioria dos casos é transitória, mas pode, às vezes, ser permanente. Por isso é mandatório que os pacientes implantados tenham um seguimento da sua função vestibular pós IC.

É essencial que pacientes, que serão submetidos a cirurgia de IC, sejam avaliados do ponto de vista da função vestibular, pois o prognóstico em termos de habilidades de aprendizado e recuperação do equilíbrio postural, ao longo do tempo, depende dessa informação.

Outro fato importante é que, a avaliação pré IC auxilia na escolha da orelha a ser implantada. Sempre é mais seguro implantar a orelha com função vestibular ausente ou reduzida, para que não haja risco de perda de função na orelha em que a função vestibular está preservada.

A avaliação do equilíbrio corporal antes da cirurgia de IC fornece informações não só do status da função vestibular, como também auxilia no diagnóstico e tratamento de vestibulopatias prévias à cirurgia.

Não é raro termos pacientes com enxaqueca vestibular, vertigem posicional paroxística benigna (VPPB), doença de Meniere, tontura postural perceptual persistente, tontura de origem cervical, tonturas metabólicas ou relacionadas a má formações de orelha interna.

O ideal é realizar o tratamento desses problemas antes de realizar o IC, assim é possível minimizar riscos de complicações no pós-operatório.

Para os pacientes sem queixa prévia de tontura e sem vestibulopatias prévias à cirurgia e que evoluem com tontura após o IC a avaliação vestibular é ainda mais importante e vai depender de quanto tempo após a cirurgia o sintoma apareceu.

Muitos pacientes apresentam tontura muitos meses ou anos depois do IC e que na grande maioria não estão relacionadas ao IC.

Importante avaliar não só quanto tempo depois o paciente surgiu com a tontura, mas levar em conta o tipo de tontura e os fatores relacionados com o início do sintoma. 

Alterações hormonais, sono, dieta, existência de doenças de base, uso de medicamentos e idade devem ser levados em conta na avaliação do paciente que sofre com tontura. Por isso, nem sempre o tratamento desses pacientes será medicamentoso. Muitas vezes, mudanças no estilo de vida, melhoria do sono e atividade física são a chave para reverter o sintoma.

Procurar um especialista na área que saiba avaliar o paciente com IC, do ponto de vista do equilíbrio corporal, pode fazer toda a diferença. Uma história clínica bem feita aliada à uma boa avaliação clínica, muitas vezes até dispensa a realização de exames mais específicos, mas se forem precisos devem ser solicitados com base nas queixas. Sair solicitando mil exames não vai ajudar no diagnóstico. Essencialmente, o diagnóstico dos pacientes com tontura é clínico, com ou sem IC.

E o tratamento deve ser direcionado não apenas para a queixa mas também para as causas relacionadas e que geralmente são mais de uma.

Importante lembrar que as medicações, hoje no mercado, são para alívio dos sintomas apenas. E se mal indicadas e usadas em doses inadequadas só pioram a tontura.Tratar o sintoma, sem tratar a causa não resolve! 

Uma outra aliada no tratamento é a reabilitação vestibular, que quando indicada corretamente pode melhorar em muito a tontura e a qualidade de vida do paciente.

Ainda está em pesquisa o implante vestibular, que viria para ajudar os pacientes com perda de função vestibular uni ou bilateral, e que vem apresentando resultados bastantes promissores.

Mas enquanto essa tecnologia não chega temos muito o que fazer e a oferecer quando se trata de pacientes com tontura e distúrbios do equilíbrio.

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