TPAC e sua relação com fala e alfabetização

A base para a aquisição da linguagem, fala e aprendizagem, que inclui desde a formação do código linguístico e vocabulário até as habilidades preditoras para alfabetização (consciência fonológica, memória operacional fonológica, acesso ao léxico mental e o processamento auditivo) dependem diretamente da audição. Todas essas habilidades precisam de um processamento auditivo da informação eficiente. Caso exista um Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC), todo o processo de desenvolvimento desde a fala até a alfabetização pode estar prejudicado.

Podemos dizer que o sistema auditivo é complexo, porém perfeito. Ele está preparado para codificar as características dos sons das mais diversas naturezas. 

De forma simplificada, o som é captado pela orelha, convertido em impulsos elétricos e enviado para o cérebro. Desde o momento que escutamos uma informação até a elaboração de uma resposta, existe uma grande interação entre as diferentes áreas cerebrais, cada uma responsável por diferentes habilidades cognitivas envolvidas nos processos de fala e aprendizagem.

A cóclea, localizada na orelha interna, é o órgão da audição que inicia a análise de frequência e converte a energia mecânica do som em sinais elétricos, que são então repassados para o cérebro via nervo auditivo. Chegando pelo tronco encefálico passando pelo córtex auditivo primário, giro de Heschl no lobo temporal, área de Wernicke no córtex associativo e finalmente área de Broca responsável pela pronúncia da palavra com participação do córtex frontal. O conjunto dessas estruturas compõem o sistema nervoso central. O trecho da viagem realizada da cóclea até o lobo temporal é conhecido como Bottom-up. O restante do caminho é top-down.

Considerando uma criança que está aprendendo a falar, a qualidade dos sons recebidos e o ritmo maturacional do cérebro vão interferir no seu aprendizado. A maturação cerebral ocorrerá através da exposição e do uso natural da linguagem dentro de um contexto “rico”. Isso permitirá que a criança comece a formar o código linguístico, para isso será necessário organizar e interligar as sensações visuais, sonoras, sinestésicas e motoras. Com isso, a partir do que se escuta, é possível resgatar as experiências e sensações, além de formar vocabulários.

Aprender o significado das palavras e empregar adequadamente os fonemas que integram o sistema fonológico, bem como realizar a produção precisa destes sons que caracterizam o inventário fonético da língua, exige que a criança aprenda a reconhecer nas palavras os sons segundo suas características de frequência, duração e intensidade. Toda essa organização fonológica da linguagem precisa ser codificada no córtex auditivo.

As habilidades auditivas centrais, localizadas no córtex auditivo, são fundamentais e vão influenciar o desenvolvimento de linguagem e aprendizagem – particularmente as habilidades para aquisição de fala e pré-alfabetização. É possível ter boa audição e não ter uma boa análise acústica, o que impactará diretamente o desenvolvimento de fala e alfabetização por não ser possível estabelecer uma boa relação com as características acústicas de cada fonema.

Quando pensamos em processamento auditivo central (PAC), estamos falando de um cérebro que ouve, conversa e aprende. A definição mais utilizada foi proposta pela ASHA (2005) como sendo a eficiência e eficácia com que o sistema nervoso central utiliza a informação auditiva para compreender uma mensagem.

O objetivo da avaliação de PAC deve ser determinar se o indivíduo recebe com acurácia e transfere o estímulo acústico pelo sistema periférico e central até o córtex auditivo. E aqui cabe lembrar que existe um continuum do processamento da informação que se inicia com o processamento auditivo central, seguido pelo fonêmico e linguístico para a compreensão da informação auditiva. Uma vez que existam déficits nas habilidades auditivas centrais, passamos a nos referir aos transtornos de processamento auditivo central (TPAC).

Existem diferentes parâmetros propostos pelos guidelines para a caracterização do TPAC. Em 2005, a ASHA definiu TPAC como inabilidade de discriminar, reconhecer ou compreender as informações apresentadas auditivamente, mesmo em indivíduos com acuidade auditiva e inteligência normais. Segundo a Academia Americana de Audiologia (AAA 2010), TPAC é uma disfunção perceptual auditiva que não é decorrente de perda auditiva periférica. 

Apesar das definições variáveis acerca do TPAC, existe um consenso de que crianças com dificuldades de processar as propriedades acústicas dos fonemas também terão dificuldade de compreender que as letras estão associadas aos sons para ter uma função na linguagem e na leitura. Embora as habilidades de consciência fonológica, atenção e memória sejam aspectos que envolvem tarefas de ordem cognitiva mais alta, são dependentes de uma função auditiva central intacta. Ou seja, se existem problemas no reconhecimento dos padrões sonoros da linguagem, então haverá problemas quando a criança fizer a correspondência dos sons às letras (fonema-grafema) sendo esse um pré-requisito para o aprendizado da leitura e escrita.

Com frequência o TPAC é comorbidade com os transtornos de linguagem, aprendizagem e outros transtornos do neurodesenvolvimento. Muito tem se discutido acerca do PAC e os transtornos de linguagem e aprendizagem, contudo um ponto de concordância entre os estudos é o fato de que, em ambos os casos, seja nos transtornos de linguagem ou de aprendizagem, a alteração de PAC é um agravante.  Segundo Tallal and Heim (2015), crianças que apresentam atraso nas habilidades linguísticas, com frequência apresentam dificuldades de aprendizagem, isso porque os problemas de leitura decorrem de distúrbios de linguagem e os déficits fonológicos são o ponto comum entre eles.

Referência: 

Auditory Processing Disorders, Assessment, Management, and treatment, 3rd edition, Dona Geffner, Deborah Ross-Swain, Plural Publishing.

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