O sistema auditivo é um componente imprescindível para o desenvolvimento e a manutenção da qualidade da voz e da fala. O feedback auditivo oferece retorno da nossa própria voz durante o processo de comunicação e é bastante importante também para os ajustes na voz que realizamos da infância até a fase adulta. A deficiência auditiva compromete o feedback auditivo e muitos surdos não ouvem a própria voz, apresentando dificuldades no desenvolvimento adequado de “ajustes vocais confortáveis” e no controle da voz. De modo geral, o feedback auditivo auxilia nas modificações que realizamos na frequência (“tom”) e intensidade (“volume”) da nossa própria voz durante o processo de comunicação; nos oferece informações sobre as condições ambientais que podem afetar a qualidade da produção dos sons, isto é, se devemos articular mais, aumentar ou reduzir a velocidade da fala, de acordo também com o contexto; e por fim, contribui para a produção das referências internas no planejamento motor da fala, isto é, no aprendizado dos sons e como utilizá-los no cotidiano.
A voz é o som produzido por meio de um fluxo de ar que saí dos pulmões associado a vibração das pregas vocais. Possuímos duas pregas vocais com músculos e mucosa, posicionadas horizontalmente na laringe, estrutura essa que fica no pescoço. A fala é o som articulado e moldado por estruturas do trato vocal “rosto” como a boca, língua, dentes, nariz, palato mole (“campainha”) e a faringe, produzindo assim as sílabas e palavras. A produção da fala e da voz engloba a participação de quatro fases: respiração, fonação (fechamento e vibração das pregas vocais), articulação (produção dos sons de fala) e a ressonância (como esse som é ampliado e amplificado no espaço / no ambiente).
A deficiência auditiva em grau severo e profundo, devido à falta de feedback auditivo apropriado, dificulta a percepção e discriminação auditiva. Em alguns casos o paciente não utiliza aparelhos de amplificação sonora individual – A.A.S.I ou implante coclear, ou mesmo faz uso de um A.A.S.I com acesso restrito aos sons de fala para o grau da surdez, como por exemplo no caso da surdez profunda. Há um conceito bastante importante para entendermos as alterações da voz nos surdos. As pessoas que nascem com surdez ou a adquirem antes de desenvolverem linguagem nós chamamos de surdez pré-lingual. Podem apresentar vozes com uma pior qualidade, dificultando muitas vezes a compreensão do que é falado por parte do interlocutor (com quem nos comunicamos). Se a surdez for profunda e houver indicação e vontade de usar o implante coclear, temos observado dificuldades maiores na voz e fala quando o indivíduo é implantado em momento não apropriado, isto é, após os 4 anos de idade ou na fase adulta, pois já passou a fase de desenvolvimento de linguagem, sem o feedback auditivo
apropriado. Temos ainda pessoas que desenvolvem a surdez na fase adulta ou quando crianças mais velhas, por exemplo, devido a alguma doença ou traumas que tenham afetado o ouvido. Nestes casos chamamos de surdez pós-lingual, pois já passaram anteriormente pelo desenvolvimento de linguagem. Mas nessa situação perdem o monitoramento da própria voz também pela falta do feedback auditivo que passou a ser limitado ou ausente. Ao longo do tempo, com a privação auditiva, a voz pode ser prejudicada mas ainda sim, observamos uma qualidade vocal melhor em relação aos surdos desde pequenos.
A qualidade vocal de crianças implantadas pode ser bastante semelhante à de crianças ouvintes desde que o implante seja feito de forma precoce. Alguns estudos sugerem que crianças implantadas por volta de 1 ano de idade ou mesmo ainda durante o processo de desenvolvimento de linguagem, podem ter vozes com qualidade muito semelhantes a crianças ouvintes ao redor de 8 anos, juntamente com reabilitação auditiva e a estimulação da fala
concomitante.
Na surdez pré-lingual, no entanto, pode-se observar também alterações vocais, especialmente devido a dificuldades na neuro-maturação do sistema da fonação (“como a voz é produzida”), já que isso ocorre com o uso da voz, das estruturas da laringe e da fala durante a infância até a adolescência. O padrão vocal de pessoas com surdez muitas vezes é semelhante, mas pode se diferenciar de acordo com algumas questões. Com certa frequência observamos determinadas características na voz e na fala: a voz pode ser fina ou grossa demais para o sexo e a idade; pode ser hipernasal (com a energia do som muito concentrada no nariz) ou hiponasal, com pouca nasalidade em alguns sons, como se o indivíduo estivesse constantemente falando com o nariz entupido; a projeção da voz pode não ser adequada, caracterizando uma voz fraca demais ou então muito forte, quando o indivíduo não consegue controlar a intensidade vocal de uma forma regular; a articulação e a velocidade de fala também podem estar alteradas e verificamos com frequência dificuldades na correta produção dos sons da fala. Há ainda um conceito chamado prosódia, que está relacionado ao ritmo, velocidade, pausas, ênfases e entonação da voz que também chama a atenção na qualidade vocal da pessoa com surdez. Tudo isso pela falta do feedback auditivo. Mas essas características vão depender de uma série de fatores: do momento da instalação da dificuldade auditiva, do grau da deficiência auditiva e o quanto este indivíduo foi estimulado em relação à percepção dos sons ao longo da vida. Os dispositivos auditivos (A.A.S.I e implante coclear) auxiliam ou restabelecem a percepção auditiva e o acesso aos sons da fala. No entanto, quando o surdo permaneceu com esse padrão de fala e voz por muito tempo pode ser necessário trabalhar essas questões por meio de fonoterapia específica, tentando novos ajustes vocais e otimizando o padrão de comunicação.
O intuito da reabilitação vocal específica é trabalhar os músculos das pregas vocais e a posição da laringe no pescoço (que pode estar relacionado por exemplo a uma voz mais aguda “fina” e com presença de tensão “força”); o direcionamento do fluxo de ar corretamente durante a expiração e a produção da voz; trabalhar também a diferença de um som com presença de vibração das pregas vocais e sem vibração (no português Brasileiro chamamos de sons “sonoros” e “surdos”) e o uso da voz com uma melhor ressonância possível para cada caso, usando de forma equilibrada todas as estruturas do rosto. Nestes casos, se a pessoa quiser melhorar a qualidade do seu padrão de comunicação, será necessário abordar os conceitos acima com ajuda especializada! Para tanto, ter um dispositivo apropriado para o seu caso e ter acesso aos sons de fala é imprescindível para monitorar a produção da voz e da fala pela percepção auditiva do som e ajudar na modificação dos mesmos durante a reabilitação.
Em protocolo proposto de terapia de voz e fala específico para usuários de implante coclear (Ubrig et al., 2019) temos diversos aspectos da comunicação sendo trabalhados: respiração, fonação, ressonância, articulação dos sons de fala e prosódia – todos esses aspectos nós comentamos acima ao longo deste texto. Quanto antes a pessoa com surdez tiver acesso a um dispositivo auditivo apropriado para seu caso e realizar fonoterapia para auxiliar nos novos ajustes vocais, com certeza teremos melhores resultados! Se as questões relacionadas ao padrão vocal incomodarem a pessoa com surdez e ela tiver oportunidade e interesse em melhorar a sua inteligibilidade de sua fala e o padrão de comunicação, temos profissionais capacitados para isso, considerando-se sempre o limite terapêutico para cada caso!

Referências bibliográficas:
1. Behlau M, Thomé R, Azevedo R, Rehder MI, Thomé DC. Disfonias orgânicas congênitas. In: Voz: o livro do especialista Vol. II. São Paulo: Revinter. 2005.
2. Selleck MA, Sataloff RT. The impact of auditory system on phonation: a review. J Voice. 2014;28(6):688-93.
3. Ubrig MT, Goffi-Gomez MVS, Weber R, Menezes MHM, Nemr NK, Tsuji DH, Tsuji RK. Voice Analysis of Postlingually Deaf Adults Pre and Post cochlear Implantation. Journal of Voice. , v.25, p.692 – 699, 2011
4. Ubrig MT, Tsuji RK, Weber R, Menezes MHM, Barrichelo VMO, da Cunha MGB, et al. The Influence of Auditory Feedback and Vocal Rehabilitation on Prelingual Hearing Impaired Individuals Post Cochlear Implant. Journal of Voice. 2019;33(6):947.e1.