PERDA AUDITIVA – UM FATOR DE RISCO PARA A DEMÊNCIA

Segundo a OMS¹ o número de pessoas com idade superior a 60 anos chegará a 2 bilhões de pessoas até 2050, representando um quinto da população mundial.

De acordo com os dados do Ministério da Saúde, o Brasil, em 2016, tinha a quinta maior população idosa do mundo, e, em 2030, o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos.

Afirma ainda que com o envelhecimento mundial da população, há mais casos de perda de audição. Um em cada três idosos, com mais de 65 anos, convive com a condição, que corresponde a 165 milhões de pessoas em todo o mundo. Consequentemente, o número de pessoas que vivem com demência também está crescendo, de acordo com o relatório: a OMS estima que mais de 55 milhões de pessoas estão vivendo com demência. Estima-se que esse número aumente para 78 milhões em 2030 e 139 milhões em 2050.

Frente a esse envelhecimento populacional, é possível observar um aumento de estudos envolvendo perda auditiva e demência nos últimos anos²,³,4,6,7,9,10,11,12,13, a preocupação tanto com a audição quanto com a funcionalidade cognitiva é uma crescente no dia a dia não só da comunidade médica, mas da população também.

Segundo o The Lancet Commission8, a perda auditiva é um dos principais fatores de risco para a demência. Tanto o grau da perda auditiva como o tempo de privação auditiva têm bastante influência na degeneração cognitiva. Portanto o tratamento da surdez é considerado também tratamento preventivo para a demência. 

Muitas são as variáveis em estudo: a perda auditiva pode fazer o cérebro trabalhar excessivamente, forçando-o a ouvir e preencher as lacunas. Isso vem à custa de outros sistemas como pensamento e memória. Outra possibilidade é que a perda auditiva faz com que o cérebro envelhecido encolha mais rapidamente. Uma terceira possibilidade é que a perda de audição leva as pessoas a se empenharem menos socialmente, o que é extremamente importante para permanecerem intelectualmente estimuladas. Se não ouvir bem, pode não socializar tanto, tornando o cérebro menos estimulado e ativo7.

Alguns estudos relatam que pessoas com demência e que usam aparelhos auditivos tiveram melhora considerável no desempenho cognitivo 8,7,14.

Em casos de perda auditiva progressiva, quando o aparelho auditivo se torna ineficaz, o implante coclear5 deve ser considerado, não deixando que a idade seja um fator limitador para a realização do implante coclear.

É comum na prática clínica os pacientes e familiares não associarem o isolamento e declínio cognitivo com a perda auditiva 7,8,14, nestes casos é essencial a intervenção familiar, ajudando com o uso dos aparelhos auditivos e exercícios cognitivos. Para tanto, o acompanhamento e a orientação profissional são muito importantes para ajudar a vencer os preconceitos inerentes aos idosos como a invisibilidade e irrelevância que sentem perante a família e a sociedade. Esta é uma discussão frequente nas equipes multidisciplinares em todas as áreas que abrangem o atendimento ao indivíduo idoso. 

Outro ponto a ser considerado é que a perda auditiva pode levar à depressão8,11,14, esse risco aumenta consideravelmente quando associado à demência.

Avaliação 

Há várias maneiras de se avaliar o desempenho cognitivo de um indivíduo, a mais relatada nos artigos pesquisados é o Mini Exame do Estado Mental, ou Mini-Mental (MEEM)15. O MEEM consiste de duas partes, uma envolvendo orientação, memória e atenção, outra sobre habilidades específicas. Soma-se as partes e quanto maior o valor, melhor será o desempenho cognitivo. Porém o nível de escolaridade pode ser limitante e alguns ajustes se fazem necessários.

A perda auditiva deve ser avaliada por um otorrinolaringologista e um audiologista, começando pela avaliação básica, otoscopia, audiometria, logoaudiometria e impedanciometria. Em situações de dúvida e incompatibilidade de respostas, ou em casos mais graves de demência em que o paciente não consegue responder adequadamente na audiometria, a avaliação eletrofisiológica deve ser incluída na avaliação (PEATE e PEATE-FE).

Caso o paciente avaliado não passe com uma equipe multidisciplinar, o neurologista deve encaminhar ao otorrinolaringologista para avaliação e conduta e vice-versa. Porém é necessário ressaltar que a equipe multidisciplinar é o melhor caminho, pois já sabemos que a demência é multifatorial e o paciente deve ser visto e avaliado como um todo.

Conclusões 

Já está comprovado que a demência é multifatorial e que a perda auditiva é uma das causas mais frequentes do isolamento social e declínio cognitivo. Uma equipe multidisciplinar ideal deve incluir um otorrinolaringologista e um audiologista. E a bateria de exames audiológicos deve fazer parte da rotina de avaliação e diagnóstico dos diferentes tipos de demência, e, quando comprovada a perda auditiva, o tratamento deve incluir o uso de aparelho auditivo de amplificação sonora (AASI) e/ou implante coclear associado à terapia e reabilitação (que podem variar com o grau de perda e achados na avaliação cognitiva).

O monitoramento da perda auditiva bem como da eficácia adquirida com o uso do dispositivo auditivo é tão importante quanto o acompanhamento neurológico da demência. 

Referências:

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