De acordo com World Health Organization (2022), mais de 5% da população mundial (cerca de 430 milhões de pessoas) possui algum grau de perda auditiva, afetando sua qualidade de vida. Estima-se que em até 2050 esse número chegue a 50% da população mundial, alcançando cerca de 700 milhões de pessoas. Sabe-se que as causas mais comuns de perda auditiva incluem condições genéticas, complicações do parto, algumas doenças infecciosas, doenças metabólicas, infecções crônicas do ouvido, exposição a níveis altos de som e ruído, uso de algumas medicações e também mudanças no organismo relacionadas à idade.
A Hipertensão Arterial Sistêmica é uma condição multifatorial caracterizada pela presença elevada da pressão sanguínea, associada a mudanças metabólicas e hormonais e fenômenos tróficos (hipertrofia cardíaca e vascular). A diminuição da oxigenação e do transporte de células devido ao baixo fluxo de sangue capilar, estão entre os mecanismos patogênicos da Hipertensão Arterial que pode afetar a orelha interna (ROLIM et al., 2018).
Segundo Soares et al. (2016), apesar da hipertensão arterial ser uma doença silenciosa, muitos indivíduos apresentam dor de cabeça, tontura, zumbido, dor no peito e fraqueza, muitas vezes adicionado a mudanças na audição. Doenças que afetam o sistema circulatório podem afetar o ouvido interno de várias maneiras, pois as células vivas requerem um suprimento adequado de oxigênio e nutrientes para funcionar e essa provisão depende da integridade do coração e veias do sangue.
A relação entre a hipertensão e a perda de audição é vastamente estudada na literatura, através de dados clínicos e histopatológicos, sendo os achados controversos. Alguns estudos justificam que a surdez sensorioneural ocorreria em função de uma insuficiência microcirculatória decorrente de uma oclusão vascular por embolia hemorragia ou vasoespasmo e que estes seriam produto de uma síndrome de hiperviscosidade ou microangiopatia por Diabetes ou Hipertensão, sendo postulado que a Hipertensão poderia através desses fatores histopatológicos provocar perda de audição sensorioneural. Já outros discutem que a Hipertensão Arterial isolada não geraria perda de audição ao observado na população normotensa ao passo que a Hipertensão associada a outros fatores como: tensão, exposição a ruído e predisposição genética poderia possivelmente ocasionar perda significativa na audição (BARALDI, 2004). Para os autores, não houve relação entre perda auditiva e a Hipertensão em seu estudo realizado em 70 idosos, uma vez que os achados audiológicos foram semelhantes.
Já Chen e Ding (1999) relatam que a hipertensão, com níveis elevados de triglicerídeos e colesterol no sangue, piora a audição do idoso. O distúrbio auditivo em idosos seria resultado da longa duração da doença e das complicações da Hipertensão, que influencia os distúrbios auditivos em relação ao processo de envelhecimento. Em um estudo com 100 idosos (ROLIM et al., 2018), sendo divididos em grupos com Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus, Diabetes Mellitus/Hipertensão Arterial e sem doenças metabólicas, observou-se que o grupo com Hipertensão Arterial apresentou a maior diminuição dos limiares auditivos quando comparado aos demais grupos, sugerindo que entre as três condições estudadas, a Hipertensão parece ter a maior influência na audição. Esse mesmo achado foi visto em uma pesquisa com 60 professores com média de idade de 47,05 anos, onde quis se verificar se as doenças metabólicas seriam fatores associados à perda auditiva. Os autores concluíram que a Hipertensão Arterial e as doenças da tireoide são sim fatores associados à perda auditiva (MENESES-BARRIVIERA et al., 2021).
Soares et al. (2016) analisaram 40 indivíduos entre 30 e 50 anos com e sem hipertensão arterial, porém quiseram avaliar a audição periférica e também central desses indivíduos. Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os grupos com e sem hipertensão arterial na audiometria convencional ou de alta frequência. Porém os autores sugerem disfunção coclear em indivíduos com hipertensão arterial sistêmica porque seus resultados de emissões otoacústicas foram inferiores aos do grupo hipertensão arterial sistêmica.
Para Meneses-Barriviera et al. (2021), a Diabetes Mellitus se constitui em um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que é caracterizado por hiperglicemia resultante de defeitos nos receptores celulares ou na secreção de insulina, ou ambos. Em 2019, a Federação Internacional de Diabetes (International Diabetes Federation, IDF) publicou que desde sua primeira edição no ano 2000, a prevalência estimada de diabetes (tipo 1 e tipo 2 combinados, diagnosticados e não diagnosticados) em pessoas com idade entre 20-79 anos aumentou de 151 milhões (4,6% da população global na época) para 463 milhões (9,3%). Sem ação suficiente para enfrentar o avanço da doença, prevê-se que 578 milhões de pessoas (10,2% da população) terão diabetes até 2030. Esse número saltará para impressionantes 700 milhões (10,9%) até 2045.
Níveis elevados de glicemia constantes podem afetar o coração e os vasos sanguíneos, olhos, rins e nervos. Complicações no ouvido interno também são apontadas em alguns estudos, nos quais se observou alterações na membrana basal dos capilares da estria vascular e na membrana basilar, notavelmente espessada, dando origem a microangiopatia diabética, que segundo Ferreira et al. (2016), interfere no suprimento de nutrientes e oxigênio da cóclea. Além disso, a Diabetes Mellitus também pode causar degeneração secundária do oitavo nervo craniano, provocando perdas auditivas neurais.
Conforme David, Finamor e Buss (2015), a audição pode estar comprometida nos pacientes com alterações de metabolismo da glicose e alterações da ação da insulina independentemente da idade. Pesquisas sugeriram um maior risco de perda auditiva em diabéticos, mas outros fatores como a exposição ao ruído, drogas ototóxicas e a presbiacusia, que conhecidamente afetam tanto o metabolismo da glicose como a função coclear, tornam difícil estabelecer essa associação. No entanto, apenas a idade e a exposição ao ruído ocupacional são fatores independentes para perda auditiva e os idosos têm 1,14 mais chances de ter acuidade auditiva em comparação com adultos mais jovens (MENESES-BARRIVIERA, et al., 2018; KIM, et al., 2017 ). Esses achados vão de encontro com a pesquisa realizada com 100 indivíduos, sendo 50 diabéticos e 50 não diabéticos, onde se observou que a perda auditiva neurossensorial foi encontrada em menor número nos jovens (51-65 anos) e foi encontrado na maioria dos pacientes idosos, com mais de 66 anos (MISHRA e POOREY, 2019).
Em um estudo com 342 veteranos diabéticos e 352 veteranos não diabéticos, houve uma tendência de maior perda auditiva em pacientes diabéticos com 60 anos de idade ou menos em toda a faixa de frequência. Esses resultados sugerem que pacientes diabéticos com 60 anos ou menos podem apresentar perda auditiva precoce nas altas frequências semelhante à presbiacusia precoce. Já após os 60 anos, a diferença na perda auditiva entre pacientes diabéticos e não diabéticos foi reduzida (VAUGHAN et al., 2006).
Ferreira et al. (2016) referem que houve associação da idade e do tempo de diagnóstico da Diabetes Mellitus com a presença de perda auditiva e do tempo de diagnóstico com a ausência de EOAPD (Emissões Otoacústicas por Produto de Distorção), sugerindo prejuízo das células ciliadas externas da cóclea ou possível neuropatia auditiva. Tais achados justificariam o monitoramento da audição destes pacientes, bem como a realização de testes específicos para avaliação do sistema auditivo central.
Maia e Campos (2005) declaram que não há evidências suficientes para estabelecer de forma sólida a relação entre Diabetes Mellitus como causa de perda auditiva. Não há consenso em todos os aspectos desse tema: audiológico e histopatológico. A experiência clínica, em muitos trabalhos, mostra relação direta entre perda de audição e diabetes. Porém, há outros trabalhos com grande número de indivíduos e bem estruturados, que negam a existência de tal associação. Em um estudo que avaliou 901 adultos e idosos brasileiros, entre 35 e 74 anos, os autores concluíram que os limiares auditivos não foram afetados pela exposição ocupacional ao ruído nos grupos com e sem Diabetes, e também não houve associação entre a duração do Diabetes e os limiares auditivos após ajuste para idade, sexo e Hipertensão (SAMELLI, et al., 2017).
Vê-se que literatura apresenta uma gama de estudos com resultados controversos entre a influência das doenças metabólicas como a Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus na audição, focados principalmente em indivíduos idosos. Apesar dos dados não concluírem em sua totalidade que as doenças metabólicas podem afetar a audição, o fato de existirem estudos que nos trazem a significância dessa relação, já justifica que nós, especialistas da audição, façamos o monitoramento da audição desses indivíduos, tanto da audição periférica quanto da audição central.
É interessante levar em consideração em estudos posteriores a dosagem de Glicemia e da Hemoglobina Glicada, pois quanto maiores esses índices, maior o risco de neuropatias, incluindo a perda de audição. Esse é um fator imprescindível na atuação multidisciplinar do Audiologista com o médico Endocrinologista, Geriatra ou qualquer outro especialista que esteja acompanhando o indivíduo por nós atendidos.Observa-se também que existe a necessidade de pesquisas envolvendo a mesma temática, porém em um grupo de indivíduos de idade mais jovem, avaliando preventivamente a audição de indivíduos portadores de quaisquer doenças metabólicas, desde o seu diagnóstico, independente da idade, para que haja o controle audiológico desses indivíduos, para quando alcançarem idade superior a 60 anos, possam apresentar uma boa saúde auditiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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