A otite média (OM) é um quadro muito comum na infância. Entretanto, como e o porquê dela contribuir para o Transtorno de Processamento Auditivo Central (TPAC) não é amplamente conhecido. Pesquisas recentes mostraram que a OM pode ter efeitos persistentes na via auditiva, especialmente se surge nos primeiros anos de vida. Esse artigo mostrará os impactos desse quadro no sistema auditivo e sua relação com o TPAC.
O sistema auditivo está dividido entre periférico e central. Apesar de estar dividido, seu funcionamento é complexo e interligado. O sistema auditivo periférico é conhecido como a entrada inicial, na qual o som é captado pelo pavilhão auditivo e levado pelo meato acústico externo até a orelha média e finalmente chega até a cóclea. A cóclea é o nosso órgão da audição, que irá transformar o estímulo sonoro em impulso elétrico e enviará as informações para o cérebro. A condução dos impulsos elétricos pelas estruturas do sistema nervoso auditivo central é conhecida como processamento auditivo central (PAC), no qual um conjunto de habilidades auditivas analisam as propriedades acústicas verbais e não verbais da fala para que seja possível compreender o significado da mensagem.
Nos quadros de otites médias ocorre acúmulo de secreção na região da orelha média, o que impede a passagem de som e causa perda auditiva condutiva. O tratamento pode ser medicamentoso, orientado pelo otorrinolaringologista, porém em casos persistentes pode ser necessária a colocação de tubos de ventilação.
Para a aquisição e desenvolvimento de fala é necessária a construção do código linguístico e para isso é importante ter uma boa entrada auditiva, ou seja, livre e com isso ter a possibilidade de receber um som naturalmente como ele é, para fazer a codificação correta do som. Se há uma criança com otites de repetição e que está fazendo a vivência desses sons, com oscilações, já teremos na entrada uma interferência importante, que vai dificultar para a criança perceber quais são as características fundamentais de cada fonema. Ela pode então formar um engrama (imagem mental) desse som alterado já de partida.
Entende-se a fala como um continuum, uma série de acontecimentos sequenciais e ininterruptos de sons. Nesse processo, a criança precisa de pistas de frequência e duração e toda a análise das propriedades acústicas dos sons verbais e não verbais da fala para ter a formação do código linguístico.
Em crianças que estão em fase de desenvolvimento na primeira infância, ter períodos prolongados de “privação sensorial” que incluem a redução da intensidade recebida, atrasos e distorções dos sons, pode refletir em atrasos importantes no desenvolvimento da fala, na maturação da via auditiva, déficits na decodificação de fala, na formação de vocabulários e por consequência interferir nas habilidades preditoras para o processo de alfabetização e aprendizagem que pode perdurar por anos da vida acadêmica.
Quanto antes forem identificados quadros de otites e tratados adequadamente, menor serão os prejuízos ao longo da vida, e o mesmo também se aplica para quando nos referimos ao desenvolvimento do sistema auditivo nervoso central: a qualidade com que a criança recebe as informações auditivas influenciará no ritmo maturacional dessa via auditiva.
Existem diferentes possibilidades para monitorar a audição, que se inicia com a triagem auditiva neonatal, a possibilidade de exames eletrofisiológicos que não dependem da resposta d criança, até as audiometrias que podem ser comportamentais, mas que ainda são o padrão ouro para avaliação audiológica. Para avaliação do processamento auditivo central, existe uma bateria comportamental que pode ser aplicada a partir dos 6 anos de idade com o objetivo de verificar o desenvolvimento das habilidades auditivas centrais. E, nesse caso, quando identificado um déficit no processamento neural das informações, o mais brevemente possível deve ser iniciada uma estimulação auditiva.
Os critérios para classificação dos Transtornos de Processamento Auditivo Central (TPAC) são variáveis de acordo com o guideline adotado, no entanto a intervenção precoce minimizará os impactos ao longo da vida social e acadêmica de cada indivíduo.
